A SENSATEZ E A INSENSATEZ POLÍTICA

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SENSATEZ E A INSENSATEZ POLÍTICA

Salin Siddartha

As maiores de todas as forças que afetam a insensatez política são a vaidade pelo poder, a incapacidade de prever um problema, a incapacidade de percebê-lo assim que o problema se manifesta, a incapacidade de tentar resolvê-lo após ter sido identificado e a incapacidade de ser bem sucedido nas tentativas de solucioná-lo. Deduz-se, portanto, que, em longo prazo, as próprias oligarquias políticas locais não garantirão os seus interesses se governarem uma cidade em colapso.

A insensatez política resulta da tentativa de negar evidências durante a condução política dos governos. Perceber a capacidade de governos cometerem erros com consequências nefastas é fundamental para que não deixemos novas armadilhas para as próximas gerações. Cabe aos governantes do Distrito Federal ser a voz da razão para afirmar Brasília como espaço de liberdade responsável pelo seu desenvolvimento econômico e social com base em uma nova cidadania.

A incapacidade de prever um problema é comum em governos que não se dedicam a planejar estrategicamente. Técnicas dinâmicas podem prever ações alternativas para dar opções de tomadas de decisão. Prever com base na relação política, social e administrativa sistêmica possibilita a introdução de mudanças de forma programada, embora nem sempre seja possível prever uma mudança política ou o comportamento da sociedade – portanto a flexibilidade na previsão de variáveis também deve ser planejada. Então, um planejamento estratégico de longo prazo deve trabalhar para gerar opções de direções.

O grau de racionalidade das políticas sociais deve ser adaptável às vocações das localidades e do DF como um todo, bem como precisa estar sintonizado com certos aspectos irracionais do comportamento dos agentes políticos a fim de compensá-los com ajustes de previsão, percepção e resolução, já que nem tudo é sempre racional e a forma como as escolhas são estruturadas se torna

importante para a tomada de decisões políticas. A população pode não ser suficientemente capaz de prever suas preferências futuras com a precisão que os modelos econômicos requerem, levando em conta as variáveis de mudança de rumo por escolha da própria sociedade.

Uma coisa é certa: a cegueira da sociedade em relação à aleatoriedade. Por tal motivo, a defasagem entre aquilo que os quadros políticos de um governo sabem e aquilo que pensam que sabem é sempre perigosamente elevada. Dessa forma, aquilo que não se sabe é mais relevante do que aquilo que se sabe.

O governante tem mais responsabilidade pelos resultados dos seus atos do que os outros cidadãos, mas a ética de responsabilidade, que, a princípio, seria prerrogativa do estadista, transfere-se, também, para os cidadãos. Vive-se num sistema de permissibilidades no seio da sociedade para o qual os governantes, as lideranças e todos os entes sociais são impotentes para modificá-lo de imediato ou em sua totalidade. Há de se reconhecer que a vontade social predomina, em prazo longo, sobre a vontade do governante, e a complacência com deslizes que podem comprometer o devir da sociedade é um problema a ser levado bastante a sério como um determinante do desenvolvimento.

Por exemplo: o Plano Real foi uma iniciativa do governo de Itamar Franco que solucionou, na primeira metade da década de 90, o problema da inflação, que vinha desde o início da década de 80, quando a projeção inflacionária já passava dos 5.000% ao ano. Isso ocorreu após várias tentativas desastradas de todos os governos a partir de João Batista de Figueiredo, ainda na ditadura militar. Até hoje, quase 30 anos depois, após a implantação do Plano, ele não apresentou problemas sensíveis a ponto de ser descartado, mas, ao contrário, tem sido aprimorado, e possibilitou a melhoria do nível de vida da população brasileira. Foi, pois, uma demonstração de capacidade de ser bem sucedido na solução de um problema.

É claro que uma sociedade pode não conseguir antever um problema antes que ele surja por falta de experiência cultural prévia, como no caso das manadas de javalis no Sul do Brasil, que se revelam uma verdadeira praga para a agropecuária da região, como decorrência da introdução aqui daquele exótico animal europeu, mas que extrapolou o âmbito do criatório e gerou manadas agressivas à fauna, com grande poder de impacto destrutivo. Falsas analogias também podem induzir a que um problema não seja previsto.

De fato, muitos problemas são imperceptíveis, principalmente quando os governantes se mantêm à distância das comunidades, sem observar in loco o que está acontecendo. Sendo assim, é de bom alvitre o contato permanente com a comunidade e o funcionamento deveras participativo da população no poder local.

A tendência lenta, embora gradual, com que um problema começa a manifestar-se pode ser assaz imperceptível para que se possa prever o desastre que ele possa causar – como no caso da formação de ilhas de calor nas cidades e diversos problemas ambientais que, devagar, mas constantemente, vão-se espraiando por uma cidade ou região. São normalidades deslizantes ocultas por trás de flutuações confusas que vão deteriorando, aos poucos, a cidade, tornando difícil perceber um futuro que pode ser trágico para a sociedade.

A incapacidade de resolver um problema, mesmo após ter sido previsto e percebido dá-se, em muitas ocasiões, pela atitude egoísta, em benefício próprio das oligarquias, mesmo que por intermédio de um comportamento nocivo à sociedade. É um sintoma imoral motivado pela

perspectiva gananciosa de auferir maiores ganhos financeiros e patrimoniais à custa de perdas irreparáveis à cidade.

Note-se o mal que a especulação imobiliária fez em Águas Claras com relação à sustentabilidade do Distrito Federal em questões como caos urbano, atravancamento do sistema de transporte, congestionamentos, falta de mobilidade e acessibilidade, prejuízos ao meio ambiente. Foi um egoísmo desse tipo, no Brasil, que extinguiu o jacarandá da natureza. A falta de comedimento leva a própria população a invadir áreas públicas sob o pretexto de que “o vizinho o fez, então eu também irei fazê-lo!”; o pior é que objetivos eleitoreiros conduzem maus políticos a regularizarem tais invasões, para prejuízo e destruição do bem comum das gerações futuras.

É comum não se tentar resolver problemas já percebidos pelo simples fato de que a manutenção de tais problemas é boa para uma parte das elites poderosas. É preciso que se abandonem valores arraigados na cultura e na história da população quando eles passam a ser incompatíveis com a sobrevivência coletiva. São posturas assim que fazem com que certas sociedades sejam bem sucedidas e sobrevivam felizes pela história adentro, enquanto outras, por efetuarem escolhas erradas, fracassam e deixam de existir.

As sociedades podem e devem alterar costumes e valores para evitar um colapso, como, por exemplo, impedir que o crescimento da população supere a capacidade de sustentação da cidade. Às vezes, é preciso alterar costumes e valores, não propriamente para assegurar, mas, pelo menos, para melhorar as chances de sobrevivência da sociedade humana em determinado local. Em que medida uma ameaça à sobrevivência da sociedade abre o horizonte para uma alternativa histórica de ação política? A premonição de que a estrutura de nossas dependências materiais e obrigações morais podem romper-se, levando a sociedade a um colapso, apavora.

Há que movimentar-se para buscar respostas aos problemas sociais de forma criativa, proativa e politicamente organizada, acolhendo demandas populares. As percepções e propostas dos diferentes grupos civis, os seus movimentos e suas grandes mobilizações passam a ser decisivos para uma estratégia possível de mobilização da vontade social.

Decisões políticas podem gerar medidas de política pública de restrição e de promoção. As decisões políticas tomadas – ou não – e cumpridas pela sociedade podem interferir no destino de uma comunidade, definindo o seu porvir. Isso envolve a questão da resposta da sociedade aos seus problemas, o que depende de instituições políticas, econômicas e sociais e de seus valores culturais. Tais instituições e valores afetam o modo como as sociedades resolvem (ou tentam resolver) seus problemas.

A sobrevivência de uma determinada comunidade estatui-se, na prática, por um pacto voluntário e consuetudinário entre entes históricos que se capilarizam pelos diversos Municípios da Nação, o que deságua nas opções políticas – ou seja, é possível a uma comunidade organizar suas condições de vida de forma mais humana, permitindo-se criar uma transformação econômica e social com base no poder local, descentralizando e desburocratizando, de maneira participativa, a gestão da cidade e, assim, reforçar o poder local com equilíbrios democráticos em contraposição ao poder das elites.

A vontade coletiva é um elemento democrático para a construção da ordem social e política. Uma vontade social que resulte do esforço ético dos cidadãos para colocar o interesse geral acima do particular pode ser estabelecida a partir de uma pedagogia do desenvolvimento, posta em prática pelo poder local no intuito de elevar o nível de consciência da comunidade em prol de valores que

mudem a concepção clientelista e patrimonialista, imposta por séculos de dominação oligárquica. Logo, uma pedagogia do desenvolvimento seria capaz de interferir no consuetudinarismo historicamente construído pela população, o qual a conduzisse a um desastre.

Nessas condições, o poder local tem a possibilidade de despertar a população para a participação política livre da manipulação das oligarquias. Então, a própria comunidade constitui poder político em democracia participativa, sem a ingerência dos agentes nacionais.

A questão de como a sociedade decide o seu destino e se transforma é básica para a concepção da democracia local enfocada na solução das necessidades econômicas e sociais da população. O direito do cidadão de intervir na criação de uma qualidade de vida melhor requer sua participação nos organismos comunitários dos movimentos populares de reivindicação urbana e rural, transcendendo o eixo político-partidário e o eixo sindical.

Cruzeiro-DF, 9 de fevereiro de 2020

SALIN SIDDARTHA

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