A vitória de Cida Pedrosa e do seu “Solo para vialejo” como livro do ano reforça uma tendência do Prêmio Jabuti de reconhecer o trabalho de editoras universitárias, públicas e independentes, as quais levaram pouco menos da metade das estatuetas. A Cepe — empresa de economia mista ligada ao governo estadual de Pernambuco, que lançou o livro — consolidou sua produção editorial cuidadosa, agora reconhecida por um dos prêmios mais importantes do País.
“‘Solo para vialejo’ é como um épico lírico”, reflete o editor do livro, o também escritor Wellington Melo. “Dentro de uma certa tradição de reinaugurar o épico, a Cida o faz de uma forma muito feliz. Não se pode recuperar exatamente o ethos do clássico grego, mas pensando, é um poema com um movimento duplo: o de buscar a identidade de um povo, o brasileiro, mas ao mesmo o de buscar a própria identidade. Também nisso se cria uma dicotomia entre o lírico e o épico. Sou um editor à moda antiga.”
Outra tendência no Jabuti também foi identificada pelo escritor e crítico literário Cristhiano Aguiar. “As obras premiadas trazem ao centro do palco uma ampla discussão social, política e identitária”, diz ao Estadão. “Claro, cada obra premiada no conto, poesia e nas duas categorias de romance vai usar diferentes estratégias literárias para tratar dessas questões. É muito interessante perceber como a questão do feminino está presente inclusive nos romances de autoria masculina, como é o caso dos romances de Raphael Montes e Itamar Vieira Júnior.”
Aguiar também destaca a importância da escritora Cida Pedrosa para a cena cultural e social de Pernambuco — ele viveu no Recife por 11 anos, onde iniciou sua trajetória acadêmica. “Cida atuou na defesa do livro, da literatura e da poesia em Pernambuco ao longo das últimas décadas e esteve envolvida em eventos, publicações independentes e propostas de políticas públicas para a área do livro, da leitura e da literatura”, atesta o escritor — menos de duas semanas atrás, ela também foi eleita vereadora do Recife pelo PCdoB.
Com os últimos 15 dias agitados, a escritora não esconde a felicidade. “A minha militância política e temática existe há muitos anos. Desde que me entendo de gente estou na luta pela democracia, pela justiça social. Eu junto tudo, a poesia que há mim fala com a minha atividade política.”
O prêmio na categoria inovação também está relacionado a essas tendências: quem levou foi a Festa Literária das Periferias, a Flup, que neste ano aconteceu de modo virtual com, entre outras iniciativas, um programa de formação sobre a obra de Carolina Maria de Jesus. “Digitalmente, pudemos trocar com o Brasil todo, compor um livro com escritoras negras de todos os Estados e investir ainda mais na intelectualidade da periferia”, celebrou a equipe.
A obra
A cerimônia foi on-line e realizada na última quinta-feira, sendo transmitida pela internet foi apresentada pela jornalista Maju Coutinho, e Cida entrou na conexão após o anúncio do prêmio. ‘Este é um livro sobre nossas negritudes várias, nossas indigenices várias, nossas branquitudes, em busca da música, em busca de mim e das minhas raízes sertanejas‘, disse a escritora, ‘respirando felicidade‘.
Natural de Bodocó, no Sertão do Araripe pernambucano, Cida se mudou para o Recife ainda jovem para estudar, se formou advogada e construiu uma carreira no direito como militante em defesa de direitos civis, direitos dos trabalhadores e de bandeiras feministas. (Estadão Conteúdo)
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