No DF e na Noruega, Brasil protege suas sementes do fim do mundo

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Agricultores tradicionais da região da Chapada dos Veadeiros, em Goiás, que faziam esforço, no início dos anos 2000, para resgatar técnicas ancestrais, se depararam com um dilema: a planta bem adaptada ao cerrado que eles chamavam de Trigo Veadeiro, cujo cultivo começou nos anos 1700, parecia ter sido extinta após décadas de substituição por variedades comerciais.

Essa história, porém, teve um final feliz, porque havia amostras de sementes bem guardadas em um “cofre” gelado da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) em Brasília. Hoje, a espécie foi reintroduzida em fazendas de algumas cidades, como Alto Paraíso, e voltou a fazer parte do cotidiano econômico e alimentar do local.

Guerras, catástrofes climáticas ou mesmo a passagem cotidiana do tempo podem colocar em risco a segurança alimentar de populações inteiras. A fim de proteger o presente e o futuro de sua agricultura, os países costumam guardar em locais seguros o material genético das plantas usadas na alimentação de seu povo, tanto para pesquisa quanto para garantir a reposição em caso de emergência.

Esses locais seguros são os bancos de germoplasma (ou de sementes), mantidos por instituições públicas e privadas para garantir que a nossa comida continue existindo.

Só a Embrapa mantém 165 bancos de sementes no país, e universidades, entidades estaduais de pesquisa agropecuária e até os próprios agricultores se unem ao esforço de proteger a história genética de nossas plantas agriculturáveis.

Esses bancos servem ao uso cotidiano e repõem sementes para o agronegócio e para comunidades tradicionais sempre que necessário, mas há um banco da Embrapa em Brasília, no Centro Nacional de Recursos Genéticos (Cenargen), que guarda essas sementes com uma técnica que garante a viabilidade delas por centenas de anos.

No local, no fim da Asa Norte, há 120 mil amostras de mil espécies do mundo inteiro (mas cultivadas no Brasil) lacradas em saquinhos que ficam em câmaras em que a temperatura é mantida a -18ºC, e a umidade não passa dos 10%.

“Essas sementes são representantes da variabilidade genética das espécies, servem como repositório de genes para trabalhar com essas espécies. A gente pode, por exemplo, adaptar as plantas às mudanças climáticas e a novas doenças que possam surgir ou que chegam de outros países. São genes à disposição de programas de melhoramento, de pesquisas, e para garantir a reposição quando desaparecem fora daqui, algo que já aconteceu e pode acontecer no futuro”, explica a pesquisadora Aluana Gonçalves de Abreu, supervisora de Curadorias de Germoplasma Vegetal da Embrapa Recursos Genéticos e Biotecnologia.

O Cofre do Fim do Mundo

As sementes mais significativas dessa importante coleção são “depositadas” pelo Brasil em outro banco de sementes, a mais de 11 mil km de distância de Brasília. É o Cofre Global de Sementes de Svalbard, que foi escavado dentro de uma montanha de rocha maciça num dos locais mais remotos do planeta e projetado para resistir a furacões, terremotos e até ataques com armas nucleares.

Além da proteção garantida pela Noruega, e da distância do local para qualquer outra região habitada, o Cofre do Fim do Mundo conta com camadas naturais de segurança. Acima da rocha maciça, o solo fica permanentemente congelado, o chamado permafrost. E, no gelo, o “esconderijo” é “guardado” por centenas de ursos polares que vivem no arquipélago e são extremamente agressivos.


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Essa espécie de Arca de Noé vegetal guarda, em segurança máxima, 1,1 milhão de amostras de sementes de 5,4 mil espécies vegetais, enviadas por mais de mais de 80 países desde 2008, quando essa ambiciosa iniciativa internacional foi lançada.

A iniciativa foi uma parceria da Noruega (que administra o arquipélago de Svalbald) com uma organização financiada por governos de países ricos e por instituições filantrópicas, como a Fundação Bill & Melinda Gates.

O Brasil manda amostras para o local desde 2012 e prepara nova remessa para este ano. Já são cerca de 5 mil amostras brasileiras guardadas no banco de sementes mais seguro do planeta.

“A primeira remessa, de 2012, tinha sementes de mais de mil espécies de arroz, feijão e milho, que, apesar de não serem nativas do Brasil, são centrais na nossa alimentação”, conta a pesquisadora da Embrapa Rosa Lia Barbieri, que faz parte do conselho de administração do Cofre do Fim do mundo e foi a única brasileira a colocar os pés no local até hoje.

“Depois, em 2020, enviamos mais milho e arroz, além de hortaliças, mas eram outras espécies, as chamadas crioulas, que não são as de uso comercial em larga escala, mas guardam a memória genética do que plantávamos antes das novas variedades”, completa Rosa Lia.

O critério de escolha das amostras que já estão preparadas em Brasília para o próximo embarque foi a origem legitimamente nacional. “Vamos levar sementes de caju, que é uma planta local, domesticada pelos povos originários desde antes da chegada dos portugueses; maracujás silvestres e forrageiras, que muita gente chama de pasto. Elas não são usadas diretamente na nossa alimentação, mas alimentam o nosso gado”, explica a pesquisadora da Embrapa.

Veja Rosa Lia falando mais ao Metrópoles sobre o Cofre do Fim do mundo e a participação do Brasil na iniciativa:

A salvação das lavouras

As sementes guardadas em Svalbald são espécies de cópias de segurança de materiais selecionados pelos países que fazem os depósitos. São sementes “repetidas”, para serem retiradas em caso de emergência. E a única emergência a motivar uma retirada, até hoje, foi a destruição do banco de sementes de Aleppo, na Síria, como consequência da guerra civil que o país enfrenta desde 2011.

“A Síria era uma das sedes de um instituto internacional de agropecuária para zonas desérticas chamado Icarda, que tem bases ainda no Marrocos e no Líbano. Quando o da Síria foi destruído, os pesquisadores conseguiram fugir para os outros países, mas perderam seu material de trabalho, as sementes sírias. Eles então pediram a retirada, em 2015, replantaram em locais seguros e puderam devolver novas amostras para serem preservadas em Svalbald”, relata Rosa Lia.


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O milho perdido do povo indígena Krahô

A versão brasileira do Cofre do Fim do Mundo também tem histórias desse tipo para contar. Além de salvarem o Trigo Veadeiro, as sementes guardadas em Brasília ajudaram o povo indígena Krahô (a pronúncia é craô), que vive no nordeste do Tocantins, a recuperar parte de sua cultura tradicional.

Intensamente assediados pelos brancos desde o primeiro contato, há mais de 200 anos, os Krahô foram levados, nos anos 1980, a abandonar seus cultivos tradicionais de milho para tentar maior produtividade com espécies comerciais. Mas o plano não deu certo, porque os indígenas não conseguiram se adaptar às técnicas exigidas pelas variedades vendidas por empresas do agronegócio, e as comunidades acabaram se vendo sem milho algum.

“Mas os indígenas mais velhos lembravam que a Embrapa havia coletado sementes crioulas na década de 1970 e vieram nos procurar. As sementes estavam aqui, e conseguimos ajudá-los a reintroduzir essas variedades tradicionais“, conta, com orgulho, o analista da Embrapa Cássio Curi, que trabalha no setor que prepara as sementes para serem guardadas por tempo indeterminado nas câmaras frias.

Saiba mais sobre a conservação de sementes na Embrapa Recursos Genéticos e Biotecnologia vendo a entrevista do Metrópoles com a pesquisadora Aluana Gonçalves de Abreu, supervisora de Curadorias de Germoplasma Vegetal:

O esforço da Embrapa e de outras instituições para coletar e guardar as sementes de plantas agriculturáveis no Brasil começou a ser feito de maneira sistemática na década de 1970. Na época, os pesquisadores temiam que a introdução de sementes de variedades comerciais fizesse com que as plantas crioulas acabassem desaparecendo para sempre.

Décadas depois, o trabalho de coleta continua sendo feito, mas hoje os bancos de sementes também devolvem à sociedade, sempre que necessário, os tesouros que guardam.

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