Após 4 meses, sanções machucam economia russa, mas não inibem a guerra

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A decisão do presidente Vladimir Putin de desafiar as potências ocidentais e invadir a Ucrânia transformou a Rússia no maior alvo de sanções econômicas no mundo. Sanções que isolaram o país, levaram embora fornecedores e empresas estrangeiras, como as montadoras de veículos e o McDonald’s, e devem fazer o Produto Interno Bruto (PIB) russo tombar mais de 10% este ano.

O problema é que, ainda assim, as tropas de Putin persistem na campanha militar iniciada em 24 de fevereiro, e tornam as sanções cada vez mais custosas para os países que as impõem.

Os riscos da eficácia limitada dessa pressão econômico-diplomática eram conhecidos pelos países que apoiam a Ucrânia, afirmam especialistas ouvidos pelo Metrópoles, mas a tática foi escolhida diante do perigo de uma reação militar mais agressiva da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) desencadear um conflito generalizado ou pior, nuclear.

“O poder de sanções econômicas contra países onde o regime não é democrático é sempre limitado”, avalia o economista brasileiro Otaviano Canuto, que foi vice-presidente e diretor-executivo no Banco Mundial e diretor-executivo no FMI (Fundo Monetário Internacional). “Como muitos temiam, o impacto econômico dessas medidas, apesar de ser grande, não está sendo suficiente para fazer Putin mudar de ideia”, completa ele, que vê o país já acostumado a lidar com essas barreiras.

“A Rússia é alvo de sanções internacionais desde a invasão da Crimeia, em 2014. Então, foi desenvolvendo maneiras de reduzir seus impactos”, explica Canuto. “Ao planejar essa nova guerra, Putin preparou a Rússia para essa situação. Desde a Criméia, o Banco Central russo tem trocado reservas em dólar e euro por ouro e reservas em países como a China e o Japão. Além disso, as sanções atuais foram desenhadas, por demanda dos europeu, tentando minimizar o problema da redução da disponibilidade de gás. E os russos tiram proveito dessa necessidade que a Europa tem”, completa o economista.

As sanções de países como EUA, Inglaterra e Alemanha foram amenizadas, também, porque nações mais alinhadas aos russos, como Índia e China, continuaram comprando do país commodities como petróleo – que subiu muito de valor justamente por causa da guerra. Com essa fonte de renda e reorganizando o mercado interno, a Rússia tem conseguido manter as contas mais ou menos equilibradas e seguir financiando o esforço militar, ainda que não na intensidade e velocidade inicialmente desejadas.


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Sem paz no horizonte

A professora de Relações Internacionais da ESPM Denilde Holzhacker concorda com Canuto sobre a dificuldade de conseguir efeitos concretos com sanções econômicas. “Os objetivos dos países que sancionaram foram tentar debilitar a Rússia, sobretudo internamente, criando pressão popular e da elite econômica, mas Putin soube contornar esses riscos ao endurecer ainda mais o regime”, afirma ela, em entrevista ao Metrópoles.

Para a especialista, a insistência russa e a resistência ucraniana indicam que, ainda que ampliadas as sanções, a situação segue longe de uma solução e a manutenção do conflito por um longo tempo é a possibilidade mais forte atualmente.

“As sanções seguramente foram sentidas pela Rússia, principalmente no curto prazo, e tiveram parte do peso nas dificuldades russas no front militar, mas a Rússia colheu vitórias táticas recentemente, como o controle da região do Donbass, e parece seguir com seu esforço para o sul da Ucrânia. Ao mesmo tempo, os ucranianos seguem resistindo”, diz ela.

Denilde afirma que trata-se de uma “guerra de fricção” e prevê que o conflito só teria fim se a Ucrânia deixasse de receber equipamentos de países ocidentais, o que é um cenário improvável neste momento. No entanto, a especialista diz ver uma crescente dificuldade para os aliados da Ucrânia manterem a pressão sobre a Rússia.

“A questão energética vai pesando cada vez mais, sobretudo para os países do leste da Europa, como a Alemanha, que dependem no gás russo e não têm capacidade de diversificar suas opções rapidamente”, explica a professora Denilde Holzhacker.

No longo prazo, problemas russos aumentam

Apesar de ser resiliente às sanções até agora, passados quatro meses de seu início, a Rússia deverá enfrentar cada vez mais problemas estruturais na economia se continuar isolada dos mercados mundiais, avalia o analista sênior para o Brasil da consultoria internacional Control Risks, Mário Braga.

“As soluções aplicadas por eles não terão eficácia a longo prazo. A tendência é que se crie um cenário de crescente escassez de recursos em áreas como a produção tecnológica, onde a Rússia não for autossuficiente, o que é muito difícil numa economia globalizada”, avalia ele. “E mesmo países mais alinhados aos russos, como a China, ficam mais cautelosos, dão um apoio que não é total. Por exemplo, a China considerou uma ajuda com equipamento militar, mas não concretizou isso, o que pode estar ligado ao medo de represálias a empresas chinesas pelo mundo.

Problemas para os europeus

Todos os especialistas concordam que a longa guerra vai causando problemas crescentes para todos os envolvidos. Na Europa, a pressão do setor energético deve se tornar cada vez mais forte.

“Temos um impasse porque, com o passar do tempo, a eficácia dessas sanções e efeito do isolamento russo tende a perder apoio doméstico nos países ocidentais e pode começar revisão em relação às sanções”, avalia o economista Otaviano Canuto. “Na última reunião do G7, supostamente o presidente Joe Biden teria mencionado um plano em que sanções sobre exportações russas de petróleo pudessem ser relaxadas, desde que preço fosse baixo, de modo a manter petróleo russo no mercado, mas sob pressão. Isso demonstra que essas sanções vão ter um limite temporal. É desafortunado, mas, como em outras experiências na história, sanções machucam, mas não resolvem”, conclui ele.

Brasil se opôs a sanções

Apesar de ter se posicionado contra a invasão da Ucrânia pela Rússia nos fóruns globais, o Brasil nunca aplicou nem defendeu as sanções.

“O Brasil não está de acordo com a aplicação de sanções unilaterais e seletivas. Essas medidas, além de ilegais perante o direito internacional, preservam concretamente os interesses urgentes de alguns países”, disse o chanceler brasileiro, Carlos França, em audiência no Senado em março deste ano.

“As sanções atingem produtos essenciais à sobrevivência de grande parcela da população mundial. Refiro-me aqui a alimentos e a insumos necessários para a produção desses alimentos”, completou ele, referindo-se à indústria de fertilizantes, que tem a Rússia como um dos principais produtores mundiais.

Escalada nas ameaças de Putin

O presidente da Rússia, que é a pessoa que poderia tomar a decisão de acabar com a guerra, ampliou o discurso bélico na última quinta-feira (7/7). Vladimir Putin subiu o tom e disse que a Rússia “mal começou” a ofensiva e ainda desafiou o Ocidente a tentar derrotá-la no campo de batalha.

“Todo mundo deve saber que, em geral, ainda não começamos nada a sério”, disse, em reunião com parlamentares. “Ao mesmo tempo, não rejeitamos as negociações de paz. Mas, aqueles que as rejeitam devem saber que quanto mais longe for, mais difícil será para eles negociarem conosco.”

Putin avaliou que os países do Ocidente estão querendo “lutar contra a Rússia até o último ucraniano” e que o resultado disso traria apenas mais tragédia ao Leste Europeu.

“Hoje ouvimos que eles querem nos derrotar no campo de batalha. O que podemos dizer? Deixe-os tentar”, afirmou.

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