A rede pública do Distrito Federal realizou 443 laqueaduras entre janeiro e julho de 2022. Isso representa uma média de 63 procedimentos por mês, o equivalente a dois por dia. Os dados são da Secretaria de Saúde do DF.
Laqueadura é um procedimento médico de esterilização para mulheres que não desejam uma gravidez futura. Nesta semana, o presidente Jair Bolsonaro (PL) sancionou projeto de lei que acaba com a exigência de autorização do marido ou da esposa para fazer procedimentos de laqueadura ou vasectomia. Segundo a Lei de Planejamento Familiar, de 1996, a esterilização dependia do consentimento expresso de ambos os cônjuges.
O texto também reduz de 25 para 21 anos a idade mínima para a realização de esterilização voluntária em homens e mulheres com capacidade civil plena e permite a esterilização cirúrgica em mulher durante o período de parto, observadas as condições médicas.
Vontade negada
Uma moradora de Ceilândia de 36 anos que pediu para não ser identificada relatou que fez laqueadura em agosto do ano passado. Ela teve o primeiro filho aos 34 anos e sua vontade era de ter feito o procedimento após o parto, mas a lei não permitia.
“Eu sempre soube que queria ter só um filho, mas o médico disse que eu era muito jovem. Também alegaram que eu só tinha um filho, poderia me arrepender”, narra a administradora.
Após a melhora no cenário da pandemia de Covid-19, a moradora do DF resolveu dar o primeiro passo para a realizar a laqueadura. “Fui em um hospital privado e me passaram um check list. Tive que preencher um formulário e levar para um cartório com autenticação minha e do meu esposo e esperar 60 dias, que é o tempo que dão para a gente pensar melhor. Só que nesse tempo eu poderia engravidar, estava suscetível”, conta.
A mulher fez os exames pré-operatórios e aguardou o prazo necessário. “Depois disso, o plano autorizou e operei. Foi super tranquilo.”
“Mas, foi necessário que meu marido assinasse também. Por mim, teria feito logo no parto e não teria que passar por toda essa burocracia”, completa.
Procedimento pelo SUS
Em 2021, a rede pública do DF contabilizou 964 laqueaduras. Já em 2020 foram 804.
No DF, o primeiro atendimento referente à laqueadura ou vasectomia pelo Sistema Único de Saúde (SUS) é feito na Unidade Básica de Saúde (UBS) de referência, onde o paciente participará de palestras e será orientado sobre os demais métodos contraceptivos, que são reversíveis.
Apesar de na Lei de Planejamento Familiar constar que “na vigência de sociedade conjugal, a esterilização depende do consentimento expresso de ambos os cônjuges”, durante os atendimentos nas unidade de saúde do DF, o procedimento para informação de estado civil é autodeclaratório. Portanto, não é exigido nenhum documento comprobatório sobre a relação conjugal.
Caso o paciente decida continuar com o processo, ainda terá 60 dias para desistir e escolher outra alternativa. “Isso ocorre porque os procedimentos de laqueadura e vasectomia são considerados irreversíveis, por isso, é necessário que o paciente tenha ciência dos riscos do método e das consequências, caso se arrependa da sua decisão”, informa a Secretaria de Saúde.
Após a decisão final de dar continuidade à esterilização e completo o processo dos 60 dias, o paciente é inserido na fila da regulação, pois trata-se de uma cirurgia eletiva. Pacientes classificados com algum risco ou que tenham indicação médica de urgência são prioritários.
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Mudanças com a nova lei
De acordo com Amanda Nunes, pesquisadora e advogada co-coordenadora do projeto Cravinas (Clínica de Direitos Sexuais e Reprodutivos) da Universidade de Brasília (UnB), atualmente, para a mulher realizar uma laqueadura é preciso ter idade mínima de 25 anos ou ter pelo menos dois filhos, além do consentimento do cônjuge.
Além disso, a mulher não pode realizar a esterilização durante os períodos de parto ou aborto, exceto nos casos de comprovadas necessidades. “Nesse caso a lei cita o exemplo de cesarianas anteriores. Mas ela (a norma) tem uma redação técnica um pouco confusa, que pode gerar interpretação dúbia”, considera.
“Agora a mudança reduz para 21 anos a idade, retira a necessidade de autorização do cônjuge e permite o procedimento em período de parto e aborto desde que sejam cumpridos algum requisitos para que a decisão da mulher seja livre”, explica.
Por outro lado, ela pontua que o requisito da idade mínima vigente na Lei de Planejamento Familiar tem uma explicação. Segundo a pesquisadora, a imposição de um limite de idade de 25 anos para a realização de esterilização voluntária tem origem no desdobramento da CPMI de 1991-1993, instaurada para investigar a realização de esterilização em massa de mulheres no Brasil.
“Esse processo de denúncia de esterilizações compulsórias de mulheres na década de 90 veio junto de uma demanda por serviços de saúde e planejamento familiar para todas as mulheres. O problema foi discutido e concluíram que havia uma política de esterilização em massa, especialmente de mulheres negras e periféricas, associada a políticas de controle de natalidade. Como resultado, veio essa lei. Então, essas limitações da norma vieram para garantir que mulheres muito jovens não fossem submetidas a essa esterilização compulsória”, explica a especialista.
Agora, para ela, a atualização da norma neste momento “é muito importante para reduzir um controle estatal sobre os corpos das mulheres”. “As decisões das mulheres sobre seus corpos devem ser autônomas e não depender de outra pessoa”, diz Amanda.
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