O preço dos combustíveis é uma das armadilhas do complexo campo minado que o governo Lula enfrentará a partir de janeiro de 2023. Sancionada por Jair Bolsonaro, a política que cortou impostos e reduziu os valores nas bombas dos postos tem a mesma validade da gestão do atual presidente. Caso Lula decida não dar continuidade à isenção de tributos, os preços da gasolina, diesel e etanol devem, no ano que vem, anular boa parte dos descontos concedidos desde junho passado, quando a medida entrou em vigor.
Uma das promessas de campanha de Lula foi a de voltar a investir em refinarias, para reduzir a dependência da importação de combustíveis do mercado externo e permitir que o petróleo nacional seja refinado. A estratégia não é novidade, e replica um passado delicado para o governo, especialmente para o futuro presidente.
Os investimentos bilionários em projetos como o Comperj e a refinaria Abreu e Lima, desenhados durante o último governo Lula, resultaram em obras que nunca foram concluídas e que custaram bilhões aos cofres públicos – seja por ineficiência ou por pura corrupção.
A promessa de reconduzir a Petrobras à tarefa de investir em refinarias não é, nem de longe, bem vista pelo mercado. Na avaliação de David Zylbersztajn, ex-diretor da Agência Nacional de Petróleo (ANP) e professor da PUC-RJ, a transição para um mercado com menos combustíveis fósseis deveria ser prioridade para a Petrobras. Não só por causa do futuro que se impõe, mas porque, em uma análise econômica, o investimento em refinarias é uma das estratégias mais custosas na cadeia de petróleo e é a que dá menor retorno.
Foi por esse motivo que a Petrobras se desfez de algumas de suas mais importantes refinarias, como a Refinaria Landulpho Alves, na Bahia. No ano passado, a petroleira anunciou que pretendia vender oito das suas 13 refinarias. Se for para frente, a política de investimento em refino seria um verdadeiro cavalo de pau nos planos da empresa.
Veja abaixo a entrevista com David Zylbersztajn:
Como o senhor avalia a promessa do futuro presidente Lula de mudar o plano de investimentos da Petrobras para construir refinarias?
Não acho errado fazer um plano de negócios que atenda aos interesses da empresa, mas é preciso, antes de qualquer coisa, medir a qualidade dos investimentos. Investir em refinarias para reduzir a dependência do diesel importado seria como criar bois para somente vender picanha. Uma refinaria tem um custo elevado e baixo retorno, ainda mais se for construída apenas para reduzir os preços dos combustíveis. Na cadeia do petróleo, é o pior investimento possível. A Petrobras deveria se preocupar em apostarem novas fontes de energia, como usinas eólicas em alto mar ou até na produção de hidrogênio.
Temos o exemplo de algum outro lugar no mundo que elegeu o refino como prioridade?
Não, até por causa do impacto ambiental. Além de ser um investimento de baixo retorno, ele não traz ganhos sociais e ambientais. A Noruega é um bom exemplo de país que tem investido para transformar seu setor de petróleo e para replicar esses benefícios em toda a sociedade. Basta ver o que foi feito com a antiga Statoil, agora Equinor. A Petrobras é a empresa mais estratégica para o Brasil, em termos de transição energética, mas ela é muito tímida no investimento em fontes renováveis. É preocupante porque, em um futuro de menos combustíveis fósseis, essa seria uma saída para a empresa.
Fora as questões que envolvem o próximo governo, qual o cenário provável para a Petrobras?
O cenário externo é favorável, os preços do petróleo devem seguir elevados, em razão da guerra da Ucrânia. Agora, se isso vai se reverter em bons resultados para a empresa vai depender muito de não voltarmos aos problemas do passado. Se o governo voltar a cometer erros, como o de determinar que a Petrobras subsidie os preços do diesel e gasolina, a empresa estará atravessando a rua para escorregar na casca de banana. Já vimos isso acontecer antes e foi um desastre para os acionistas da Petrobras, inclusive para o próprio governo, que é o principal deles. O subsídio tira da empresa um dinheiro que iria para o Tesouro e poderia beneficiar a população mais pobre. Vejo o governo Lula como um governo que vai se preocupar com a redução de desigualdade, então não faria sentido um incentivo que só beneficia quem tem dinheiro para comprar um carro.
E como pacificar essas políticas, diante do provável aumento de preços de combustíveis?
O corte do ICMS e de outros impostos tirou recursos de áreas que beneficiam a todos, não só a quem tem carro. Estamos, literalmente, queimando dinheiro pelo escapamento dos carros, por causa de uma política sem sentido de incentivo a combustíveis fósseis. Pode até ser uma política pública com grande apoio popular, mas no fundo alguém paga essa conta, e sem dúvida são os mais pobres. Os alimentos, por exemplo, tiveram uma inflação mais elevada do que os transportes no último ano, e ninguém falou em compor um fundo para custear a carne, a soja ou o café. A questão mais importante aqui é reduzir a dependência do diesel, migrando, por exemplo, para o gás natural. O problema é que a discussão sobre as refinarias nos coloca justamente no caminho contrário. Temos saídas mais criativas e menos onerosas para a questão dos combustíveis. E não só isso: soluções ambientalmente melhores.
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