“Duquesa de Tax”: a influencer que fala de impostos sem juridiquês

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Assim que o plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) concluiu a análise sobre a chamada “coisa julgada”, no dia 8 de fevereiro, a advogada tributarista Maria Carolina Gontijo, de 39 anos, correu para o Twitter para pedir um minuto de silêncio “pela morte do inciso XXXVI do Artigo 5º” da Constituição Federal, que determina: “a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada”.

Os ministros da Corte entenderam que uma decisão definitiva anterior sobre o recolhimento de tributos como a Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL) perde seus efeitos caso o STF se pronuncie em sentido contrário. Na prática, o tribunal foi favorável à quebra de decisões definitivas na área tributária quando há mudança de jurisprudência – o que tem alto potencial de impacto sobre a segurança jurídica e o caixa das empresas.

Nos anos 1990, várias empresas obtiveram autorização judicial para deixar de recolher a CSLL. Em 2007, o STF decidiu que a cobrança do tributo era constitucional. Agora, o tribunal definiu que a sua decisão de 2007 alcança as empresas que, até então, estavam isentas do recolhimento por força das decisões judiciais definitivas que as favoreceram. Trocando em miúdos, o STF abriu caminho para que a Receita Federal cobre impostos que não foram recolhidos durante anos.

Na manhã seguinte, Gontijo voltou ao Twitter e fez uma relação entre a decisão da mais alta instância do Poder Judiciário e o filme “De Volta para o Futuro”, trilogia que marcou época no cinema na década de 1980. “O Brasil acordou com um novo princípio para reger o direito tributário: a regra Delorean! O imposto que vem do futuro direto para o seu passado. Com multa e juros”, escreveu a advogada, em alusão ao icônico carro que transportava os personagens da saga cinematográfica em viagens pelo tempo.

Gontijo, advogada mineira de Belo Horizonte, se tornou célebre nas redes sociais como “Duquesa de Tax”. Seu perfil no Twitter tem quase 55 mil seguidores, entre os quais jornalistas, advogados, cientistas, influenciadores de diversas áreas, políticos (como Rodrigo Maia, Eduardo Paes, Kim Kataguiri e Deltan Dallagnol), renomados economistas (como Elena Landau, Alexandre Schwartsman e Pedro Fernando Nery) e até um ex-presidente do Banco Central (BC), Gustavo Franco.

A “Duquesa” não se limita aos textos de, no máximo, 280 caracteres permitidos pelo Twitter. Ela também grava vídeos explicativos, faz dancinhas e publica memes. Também está presente no YouTube, Instagram e Spotify. Gontijo é capaz de falar de forma simples e divertida sobre assuntos espinhosos como reforma tributária, Imposto de Renda (IR) ou a antiga Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira (CPMF).

“Eu sempre enxerguei o Direito como algo que fosse para todos. Sempre fui contra o juridiquês. Eu era o pontinho fora da curva. Enquanto todo mundo já começava a falar difícil quando entrava na Faculdade de Direito, eu ia em sentido contrário, sempre era direta”, conta, em entrevista ao Metrópoles.

“Sabemos que direito tributário não é um tema sobre o qual as pessoas conversam na mesa do bar. Para mim, foi uma surpresa absoluta as pessoas quererem entender isso. Eu entendi que eu precisava simplificar na linguagem para trazer as pessoas para o debate”, relata.

É o que ela tem feito no Twitter e fez, novamente, nesta conversa com a reportagem do Metrópoles. Leia os principais trechos da entrevista com a “Duquesa de Tax”:

Nesta semana, o presidente Lula anunciou que elevará a isenção do Imposto de Renda (IR) para trabalhadores que recebem até 2 salários mínimos (R$ 2.640). Você foi muito atacada por perfis ligados ao PT quando disse que era possível atualizar a tabela do IR já neste ano, ao contrário do que integrantes do próprio governo afirmaram publicamente. Você tinha razão. O que achou da decisão?

No início do ano, os perfis oficiais do PT nas redes lançaram a ideia de que a tabela do IR não poderia ser atualizada em 2023 por uma questão de anterioridade, como se novas atualizações tivessem de ficar apenas para o próximo ano. Isso não era verdade. A atualização da tabela é considerada uma redução de imposto e, nesse caso, não precisa ser observado o princípio da anterioridade. Sobre a decisão do presidente, ela é muito mais orçamentária e política do que qualquer outra coisa. Isso realmente tem um impacto muito grande nas contas públicas. Essa questão deveria ter sido tratada de uma forma mais transparente com os contribuintes. De todo modo, é uma decisão importante. Afinal, a tabela, agora em abril, completaria 8 anos sem atualização. Nós tivemos um aumento de IR de mais de 50% só durante esse período. Quanto antes for possível aliviar para quem recebe menos, melhor. Faz muita diferença.

A reforma tributária é uma das prioridades do governo neste ano. A PEC 45, que deve servir de base para a reforma, prevê a extinção de diversos tributos que incidem sobre bens e serviços, como ICMS, IPI, ISS, PIS e Cofins. Essas taxas seriam substituídas por um único tributo. Você acha possível aprovar a reforma em 2023?

Não vai ser nada fácil. Eu costumo dizer que é como uma reforma na casa com você morando nela. Vai ter muita dificuldade, vai precisar de muita negociação, de muita boa vontade. Nós temos muitos atores envolvidos. Estamos falando de uma unificação de cinco tributos. Só que esses cinco, na realidade, têm milhares de “donos”. Só o ISS, por exemplo, tem mais de 5 mil donos, que são os prefeitos, porque se trata de um imposto municipal. São 5 mil donos do ISS, mais 27 donos do ICMS, que é estadual… É muita gente que precisa ser colocada na mesa para entrar em acordo sobre o que deve ser feito. De qualquer forma, precisamos fazer a reforma. Por causa da transparência, para que saibamos o que estamos pagando de imposto, e pela dificuldade que temos hoje de apuração desses tributos. Como se não bastasse as regras serem difíceis, temos a complexidade de cálculo. Hoje, as empresas perdem um tempo gigantesco apenas calculando, para saber quanto devem. Isso tudo entra no que a gente chama de custo Brasil. Na questão tributária, foram muitos puxadinhos feitos ao longo dos anos e hoje temos uma estrutura super complexa. Acho a reforma tributária imprescindível, especialmente a reforma sobre consumo, mas não será nada fácil. Não é de um dia para o outro.

Você escreveu no Twitter que “todo mundo tem um ex que é igual CPMF: tóxico, atrasa a vida e vira e mexe alguém te lembra da existência”. Por que a volta da CPMF seria um atraso? Acredita que ela pode ser ressuscitada?

Sempre se pensa em soluções simples para problemas complexos e elas, invariavelmente, estão erradas. Há quem ache a CPMF um tributo maravilhoso porque é cobrado logo na transação bancária, é um valor bem baixinho, de fácil arrecadação… Em um primeiro momento, é uma ideia extremamente sedutora. Mas temos de parar para pensar nos pontos negativos, que são muitos. A CPMF é um tipo de tributo cumulativo, ou seja, ele se acumula na cadeia. Por quanto mais etapas um certo produto tiver que passar, mais CPMF ele terá ao longo da cadeia. E sabemos que isso vai compor o preço. Essa situação acaba fazendo os contribuintes se comportarem de forma a evitar a cobrança. As pessoas tentam fugir das transações bancárias. A CPMF interfere demais na cadeia de negócios. Além disso, existe um mito de que as pessoas mais vulneráveis financeiramente não pagam CPMF porque não têm conta em banco nem movimentam dinheiro em banco. Só que tudo que elas consomem tem CPMF. Elas acabam arcando, proporcionalmente, com uma carga muito maior do que qualquer outra pessoa com renda mais alta. É um tributo que já vimos que não funciona. Causa mais danos do que os efeitos eventualmente positivos. Acho difícil que volte porque o brasileiro está um pouco traumatizado com a CPMF. Mas não falta gente que acaba se deixando levar pelas ideias mais simples que, em tese, poderiam resolver os problemas rapidamente… Não é assim que a coisa funciona.

Falemos um pouco sobre a decisão do STF a respeito da “coisa julgada”. Qual foi a intenção do Supremo ao mudar um entendimento do próprio tribunal sobre a cobrança da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL)?

Com esse julgamento, a ideia principal do STF era não comprometer a concorrência. O contribuinte que tinha uma decisão transitada em julgado, tomada lá no início dos anos 1990, sobre determinado assunto, utilizava essa decisão porque, afinal, era uma coisa julgada. Não cabia mais recurso. Acontece que, 15 anos depois dessa decisão, em 2007, o STF analisou a matéria e decidiu de forma diferente sobre a CSLL, entendendo que sua cobrança era constitucional. Assim, o fato de o empresário não recolher o tributo o colocava em uma posição mais vantajosa perante os seus concorrentes. Tínhamos, então, contribuintes em situações iguais, mas contribuindo de forma desigual por causa de uma decisão interpretativa de muitos anos atrás. O STF, agora, disse o seguinte: quando tivermos uma decisão em sentido contrário a uma coisa julgada, essa coisa julgada vai perder o efeito automático, para que as decisões tenham uma uniformidade para todo mundo.

A decisão do STF sobre a “coisa julgada” gera insegurança jurídica?

O grande problema dessa última decisão é a questão da modulação. A modulação dos efeitos de uma decisão significa o STF decidir a partir de quando essa decisão vale. Cada modulação tem um marco temporal diferente. Nesse caso, os ministros optaram por não modular e é aí que começa o problema. No caso da CSLL, foi como se tivessem retroagido, voltado para 2007, e todo mundo passou a dever tributo desde aquela época. Eu até brinquei no Twitter dizendo que era o “De Volta para o Futuro”. É uma regra que vem do futuro para trazer imposto do passado. Essa é a principal questão envolvendo a insegurança jurídica e que tem gerado reclamação de muitas empresas. Essas empresas tomaram conhecimento de uma decisão que foi tomada e perceberam que têm 15 anos para trás em impostos para serem recolhidos.

O STF errou ao não modular a decisão?

Eu entendo que sim. A modulação é um instituto que utilizamos em duas situações: no interesse social ou na questão da segurança jurídica. É algo muito comum, especialmente quando falamos de julgamentos bilionários, para não haver um impacto muito grande para o erário. Normalmente, essas decisões são moduladas. Sempre existe um marco temporal. Nesse caso de agora, envolvia uma questão tão grande e um lapso temporal tão grande que, no meu entendimento, o contribuinte foi penalizado por essa morosidade do Judiciário. Foram 15 anos para o STF decidir sobre a constitucionalidade da CSLL e mais 15 anos para decidir se valia ou não 15 anos para trás. Estamos, literalmente, discutindo decisões de 30 anos atrás. Este é o maior problema, é a fonte de insegurança jurídica. Faltou um pouco de sensibilidade do STF. A gente fica numa insegurança jurídica e o investidor, principalmente o investidor estrangeiro, fica sem saber quais são as regras do jogo ou se as regras do jogo vão mudar no meio do jogo, o que é pior.

Você é um sucesso nas redes sociais. Seu perfil no Twitter tem quase 55 mil seguidores e grande engajamento. Por que o nome “Duquesa de Tax”?

Eu fico triste ao contar essa história porque não é uma história boa, não significa nada, infelizmente. Não faz nenhum sentido. O nome “Duquesa de Tax” é porque eu tinha que ser duquesa de alguma coisa. Então, eu pensei: de quê? De “tax” “(“imposto”, em inglês). Foi uma brincadeirinha também com o francês, com “détaxe”, que significa reduzir ou suprimir impostos. Então, é isso: a história é bem ruim. Infelizmente, não tenho uma história genial para contar.

Quando você criou o perfil, imaginou que ele geraria tanta repercussão? Como é sua relação com as redes sociais?

Eu comecei em 2019 e tinha um perfil anônimo até o início de 2021. Ele foi anônimo durante um ano e meio e era muito divertido ver as pessoas tentando descobrir quem era. Eu recebia prints nos meus grupos profissionais de coisas que eu escrevia no Twitter e ficava caladinha, sem contar que aquela pessoa era eu. Achava engraçado. Depois a identidade acabou sendo “revelada” e isso se transformou em uma parte do meu trabalho, dos meus negócios. Mudou muito a minha vida profissional. Quando eu comecei nas redes, tínhamos ainda muita formalidade, especialmente de pessoas oriundas do Direito. Falar de forma simples não era algo tão bem visto. Talvez tenha sido por isso que eu me escondi por um tempo no anonimato. Isso mudou radicalmente com as redes sociais. Em momento nenhum, eu pensei que o que eu fazia pudesse ser interessante para alguém. Minhas threads iniciais, com vários tuítes em sequência explicando alguma coisa, eu brincava que eram threads do “ninguém se importa”. Eu pensava que só eu me importava com aquilo. É um assunto chato. Sabemos que direito tributário não é um tema sobre o qual as pessoas conversam na mesa do bar. Para mim, foi uma surpresa absoluta as pessoas quererem entender isso. Eu entendi que eu precisava simplificar na linguagem para trazer as pessoas para o debate.

Você disse que a “Duquesa de Tax” mudou sua vida profissional. Como se deu essa mudança?

Todas as vezes em que eu ficava indignada com alguma notícia que via no jornal, eu explicava na rede social para que as pessoas também ficassem bravas, assim como eu. O negócio foi ganhando corpo de forma totalmente orgânica, não foi nada planejado. Sempre foi um hobby para mim. A diferença que isso fez na minha vida profissional é que, depois do perfil, eu me tornei professora, que era algo que eu não imaginava, até pelo meu jeito mais informal. Descobri uma paixão pelo lado didático que eu não conhecia. E também influenciou na minha carreira: eu sou consultora tributária e isso acabou atraindo clientes. Foi muito interessante perceber outros colegas irem pelo mesmo caminho, tentando simplificar o Direito. Eu sempre enxerguei o Direito como algo que fosse para todos. Sempre fui contra o juridiquês. Eu era o pontinho fora da curva. Enquanto todo mundo já começava a falar difícil quando entrava na Faculdade de Direito, eu ia em sentido contrário, sempre era direta.

Você escreveu que explica tributário “para não passar raiva sozinha”. No Twitter, você passa muita raiva ou se diverte?

Definitivamente, eu me divirto mais do que passo raiva. Para mim, sempre foi uma grande diversão. Gosto muito da repercussão e da troca com as pessoas. Foi um presente e uma surpresa para mim. São poucos os haters que aparecem. Eu não sei se eu não tenho haters porque ninguém entende o que eu falo ou se é porque realmente gostam de mim. Mas é muito legal, eu recebo muitas mensagens de pessoas dizendo que passaram a gostar do assunto por minha causa. Eu acho o máximo, não tem nada que pague isso.

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