Os valores arredondados para cima para “facilitar” a cobrança das passagens de ônibus interestaduais do Entorno após o novo reajuste de 12% vão gerar, em um ano, pelo menos R$ 2,9 milhões para as empresas donas dos coletivos. O cálculo feito pelo Metrópoles considera os centavos embutidos nas tarifas de 37 rotas divulgadas pela Agência Nacional de Transporte Terrestre (ANTT), acima da taxa citada.
Desse total:
- 18 linhas apresentaram tarifas acima do reajuste previsto, de 12%, que começou a ser aplicado no domingo (5/3);
- 17 encontram-se com preços iguais ou abaixo dos custos readequados a partir da taxa — essas linhas não foram consideradas na contagem;
- 2 rotas não têm o prefixo inserido no quadro de rotas da ANTT, portanto não foram computados como insumos dentro do cálculo.
As linhas circulam entre as cidades de Luziânia, Planaltina, Sobradinho, Formosa, Novo Gama, Santo Antônio do Descoberto, Águas Lindas, Padre Bernardo, Valparaíso de Goiás e Cidade Ocidental. O serviço é realizado por oito empresas e atende diariamente cerca de 175 mil passageiros.
Veja tabela com valores arredondados:
Para efeito de contagem, foram utilizadas, além do quadro de tarifas arredondadas da ANTT, a tabela com todas as linhas de ônibus do Entorno — contendo os valores das passagens anteriores ao reajuste — e o quadro nacional de horários de ônibus. As tabelas estão presentes no portal da Agência e foram atualizados, pela última vez, em 23 de fevereiro deste ano.
Amostragem e reajuste real
A amostragem de 37 rotas é mínima se comparada ao total de 439 linhas de ônibus que percorrem o trajeto do Entorno à capital federal, e vice-versa. A reportagem solicitou que a ANTT divulgasse a tabela completa das rotas dos semiurbanos, com os valores arredondados, mas não obteve resposta até a publicação desta reportagem.
Por isso, o valor final da arrecadação extra com os arredondamentos deve ser muito superior, já que só foi possível avaliar 37 das 439 linhas, o que corresponde a 8,4% do total.
De grão em grão
Para chegar aos R$ 2,9 milhões, a reportagem levou em conta quantas vezes os ônibus das linhas reajustadas acima de 12% circulam pela própria rota durante a semana, com capacidade máxima — padrão de 46 passageiros no total, somando-se os que percorrem a viagem sentados e em pé.
Tomando como exemplo o trajeto entre Luziânia (GO) e Brasília (DF), a tarifa passou de R$ 7,00 para R$ 8,35. Aplicando-se o reajuste de 12% sobre o valor base, era esperado que fosse cobrado R$ 8,29 na catraca. Neste caso, o reajuste real ficou em 12,81%. Ou seja, os 6 centavos usados no arredondamento serão cobrados para cada um que girar a roleta.
Em outros trajetos, a cobrança indevida chegou a R$ 8,81 extras (veja tabela abaixo).
Os valores entre as rotas variam entre R$ 287,04 e R$ 1.517.293,44. O trajeto entre Monte Alto, Padre Bernardo (GO) e Taguatinga (DF) é o que teve menor desvio, enquanto a linha diferenciada entre Águas Lindas de Goiás (GO) e Brasília (DF) é a que arrecadou mais.
Veja tabelas:
TABELA
Segundo a ANTT, o serviço diferenciado prestado nas linhas semiurbanas é aquele “efetuado por ônibus convencional sem sanitário, com poltronas reclináveis, não sendo permitido o transporte de passageiros em pé”.
Desse modo, o veículo transporta um número menor de passageiros com um nível maior de conforto, mas cobra tarifa mais alta por isso. Ademais, a agência informou que as tarifas desses serviços são estabelecidas utilizando-se o valor de coeficiente tarifário do serviço básico aplicando-se o multiplicador de 2,02, conforme o Anexo IV da Resolução ANTT nº 4130/2013.
As empresas prestadoras de serviços de transporte rodoviário interestadual semiurbano de passageiros podem estabelecer tarifas promocionais. A medida passou a valer a partir da Resolução ANTT nº 5.396/2017.
O que diz a ANTT e a Anatrip
Procurada, a ANTT respondeu, por meio de nota, que o arredondamento das tarifas reajustadas é praticado sempre quando existe a “necessidade de utilizar a metodologia do arredondamento para que seja possível viabilizar o troco para os passageiros”. A metodologia é descrita na Resolução ANTT nº2.132/2007.
Além disso, a Agência afirmou que os arredondamentos praticados em um ano devem ser considerados no processo de reajuste do ano seguinte e que ele ocorrem de forma alternada. Dessa forma, se em um ano, a tarifa de uma da linhas é arredondada para cima, no outro, ela será arredondada para baixo, sucessivamente, de forma intercalada.
Segundo a ANTT, as “tarifas se referem a um par origem e destino que pode ser atendido por diferentes itinerários”. Dessa forma, os 37 pares de origem e destino, divulgados na última sexta (3/3), são atendidos por 458 linhas e que os trajetos que atendem ao mesmo itinerário possuem a mesma tarifa.
Além disso, a reportagem pediu que a agência repassasse a tabela completa, com todos os valores arredondados, mas não teve retorno. Também foi pedida a confirmação dos dados que apresentavam diferença percentual distante do valor fixado.
Procurada, a Associação Nacional das Empresas de Transporte Rodoviário de Passageiro (Anatrip) informou que não participa do processo de estudo de reajuste de tarifa e que ele é realizado por técnicos da ANTT.
A entidade ainda questionou os critérios adotados pela agência para o percentual do reajuste, os quais classificou como “discricionários e políticos”. Segundo a associação, o valor previsto de readequação era de 40%, e a taxa adotada, de 12%, “somente atualiza os custos operacionais”.
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