Rio de Janeiro – A presença de Linn da Quebrada no BBB22 levantou, dentro e fora da casa do reality show, diversos debates sobre identidade de gênero e oportunidades para pessoas transexuais e travestis. Com isso, a reportagem do Metrópoles conversou com a roteirista Danieli Balbi, 33, a primeira professora transexual negra da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), sobre a importância da representatividade em programas de grande visibilidade.
Doutora em Ciências da Literatura e ex-professora da Escola de Comunicação da UFRJ, Dani, como é conhecida, fala sobre a necessidade de naturalização da imagem de transexuais e travestis.
“Colocar uma transexual ou travesti em um programa, no horário nobre da televisão, faz a gente naturalizar a presença desses corpos, a existências sociais dessas pessoas, que foram sempre invisibilizadas e marginalizadas, que eram condenadas a existir na calada da noite, vítimas de toda a vulnerabilidade e expostas a violências”, declara.
Segundo a roteirista, é por meio do constrangimento, que a maior parte dos brasileiros sentem ao ver a presença transexual na televisão, que começamos a naturalizar a existência dessa parcela da população no espaço público.
“Isso ocasiona debates sobre, por exemplo, o uso correto do pronome, autodeterminação, ingresso no mercado de trabalho, valorização de produção de transexuais e de travestis, relações afetivas, entre outros. O saldo é muito positivo”, relata.

Em 2014, aos 23 anos, foi diagnosticada com câncer nos testículos. Precisou fazer quimioterapia por vários anos, perdeu os cabelos e mudou a forma como pensava em relação ao mundo
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Recentemente, a cantora dividiu nas redes sociais outra conquista: a inclusão do nome Lina Pereira dos Santos em sua documentação
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Em entrevista ao Gshow, a cantora diz ser fã do programa e garante que sairá milionária. “Estou indo para ganhar mesmo, sinto que é possível. Ouço o Tadeu falando o discurso final. Mas até ganhar tem uma trajetória. Será a experiência mais icônica da minha vida. Vou me dar muito bem nas provas. Eu gosto de disputar”, afirmou
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Pouco antes de vencer a luta contra o câncer, estreou nos cinemas o filme documentário Meu Corpo é Político. Tempos depois, já curada da doença, protagonizou o longa Bixa Travesty. Desde então, a carreira de Linn continuou em ascensão
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Linn foi criada pela tia até os 12 anos e cresceu dentro da religião Testemunhas de Jeová. Quando começou a entender mais sobre sua sexualidade, no entanto, foi expulsa da congregação
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Depois de todo o preconceito e das dificuldades que enfrentou ao se identificar como travesti, descobriu na música e na atuação a forma de se expressar
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Com quase 1 milhão de seguidores nas redes sociais, Linn é umas das participantes convidadas da 22ª edição do reality show Big Brother Brasil
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Em apenas cinco dias, Linn foi vítima de comentários preconceituosos e transfobia dentro da casa
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Uso do pronome certo
Mesmo com um “ela” tatuado em sua testa, Linn da Quebrada foi diversas vezes chamada pelo pronome masculino na atração. A situação chegou a ser repercutida pelo apresentador do programa, Tadeu Schmidt, que pediu para Linn explicar como gostaria de ser chamada.
Balbi explica que o erro no pronome afeta diretamente a autoestima. “Em primeiro plano, é a autoestima que é afetada, nosso reconhecimento enquanto mulheres ou homens transexuais.”
Em sua visão, entende isso como uma estratégia: “As pessoas que desafiam ou que não reconhecem o nosso direito de autodeterminação de gênero utilizam isso com a finalidade de minar o nosso empoderamento, nossa capacidade de afirmação”, reflete.
Mercado de trabalho
Um dos debates levantados por Linn da Quebrada no programa foi a falta de oportunidades no mercado de trabalho.
Em um diálogo com a cantora Naiara Azevedo, Linn explicou que não é uma questão de falta de capacidade para a população transexual e travesti não chegar a um lugar de destaque na carreira, mas sim uma falta de oportunidade.
“As oportunidades são realmente muito escassas. É muito difícil encontrar pessoas travestis ocupando espaços em carreiras médias e altas – que vão desde um atendente de loja ou balconista, até um advogado ou outras profissionais mais visadas. Isso acontece por uma série de razões, dentre elas, o medo do empregador de constranger seus clientes ou funcionários com pessoas transexuais e travestis, além de ter um estigma sobre a capacidade dessas pessoas se desenvolverem no trabalho”, avalia Balbi.
Sistema educacional
De acordo com Balbi, um dos grandes problemas para o desenvolvimento e a aceitação da população trans é a falta de políticas de inclusão, tanto no ensino médio quanto em universidades.
Formada em letras pela UFRJ, doutora em Ciências da Literatura e atual graduanda em economia, ela já sofreu com diversas situações discriminatórias no meio acadêmico, e afirma: “O sistema educacional é um ambiente muito inóspito, fechado e extremamente hostil. O poder público não constrói uma campanha que convide profissionais da educação a, de fato, criar uma escola diversa, comprometida com essa questão”.

Dani Balbi foi professora da Escola de Comunicação da UFRJ
Foto: Aline Massuca/Metrópoles

Ela foi a primeira mulher transexual negra a ocupar o cargo de docente na instituição
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“O erro do pronome, em primeiro plano, afeta a autoestima”, afirma Balbi
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Danieli Balbi, de 33 anos
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Formada pela UFRJ, Dani hoje é doutora em Ciências da Literatura
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Dani é mulher trans e negra
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Para ela, uma das consequências disso é a alta taxa de evasão escolar da população transexual e travesti, que chega a 82% – de acordo com levantamento feito pela Comissão da Diversidade Sexual da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) .
“Todos esses problemas estruturais ajudam a nos vulnerabilizar, no sentido do ingresso no mercado de trabalho formal e na ideia de capacidade, uma ideia estereotipada”, assegura.
Balbi relata dificuldades com colegas de classe e professores durante toda a sua formação: “Acham que não tenho competência. As pessoas ainda se estendem o direito de me silenciar, me desprestigiar, de colocar em cheque a minha capacidade no exercício da profissão”.
Metas
“Em 15 anos já avançamos muito, mas ainda temos muito para avançar. Acho que as pessoas precisam entender que transexuais e travestis podem, sim, ter orientações sexuais diversas. Do ponto de vista mais político, precisam entender que você está lidando com um contingente da população extremamente vulnerável, e que pode enxergar gatilhos de dor em diversos lugares. É importante que tenham algum cuidado e entendam que não somos corpos à disposição para qualquer forma de atravessamento”, declara Dani Balbi.
O post “Linn no BBB naturaliza travestis”, diz 1ª professora trans da UFRJ apareceu primeiro em Metrópoles.