Goiânia – Antes de ser conhecido como o responsável por hackear e extorquir o padre Robson de Oliveira, Welton Ferreira Nunes Junior já era um criminoso com patrimônio estimado em, ao menos, R$ 6 milhões. Preso em 2016 em um condomínio de alto padrão de Goiânia por suspeita de liderar uma quadrilha de roubo de cargas de gado em Goiás, ele fugiu da cadeia, saindo pela porta da frente em uma BMW, de carona com a mãe. Como? Ele teria subornado policiais.
Welton Junior ostentava uma vida de luxo, dirigindo carros esportivos e caminhonetes. Ele também era conhecido como Rei do Gado pelo perfil da atividade criminosa desenvolvida à época. Ele liderava, então, uma quadrilha especializada em furto de gado, considerada a maior do estado.
Ele fugiu da Delegacia de Investigações Criminais (Deic), em Goiânia, onde estava encarcerado em 2016, apenas um mês depois da prisão. A fuga foi considerada suspeita desde o início, mas o caso acabou sendo esquecido.
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A fuga suspeita apenas foi relembrada depois da Operação Vendilhões, já em 2020, que investigava desvios de dinheiro na Associação Filhos do Pai Eterno (Afipe), responsável por movimentações de cifras milionárias e presidida por padre Robson. Essa operação, hoje arquivada, começou depois que o Rei do Gado teria ameaçado divulgar conteúdo comprometedor do religioso.
Mais de cinco anos depois, a fuga suspeita parece ter uma explicação. Uma investigação da corregedoria da Polícia Civil chegou à conclusão que Welton Júnior subornou policiais com R$ 100 mil. Assim, ele deixou a prisão sem impedimento, pela porta da frente, de carona com a mãe, em uma Mercedes-Benz.
Luxo na prisão
Três policiais civis foram indiciados por receber vantagem econômica indevida para conceder regalias ao preso Welton Junior, além da facilitação da fuga. O indiciamento é de janeiro de 2022, mas não foi aberta vista para parecer do Ministério Público de Goiás (MPGO), até esta segunda-feira (28/3).
Segundo as investigações, o Rei do Gado pagava cerca de R$ 2 mil para servidores estaduais com o objetivo de não ser transferido para o Complexo Prisional de Aparecida de Goiânia, maior do estado. Ele queria continuar na delegacia. Welton imaginava correr risco de vida se fosse para o presídio.
Além de conseguir fugir, no pouco tempo em que esteve preso no ano de 2016, Welton Júnior tinha uma vida de luxo, comparada aos presos comuns. Ele passava os finais de semana com a esposa, na casa dele em um condomínio de luxo, segundo depoimentos.
Em uma dessas “saidinhas informais”, que custariam R$ 10 mil de propina, ele chegou a ser levado para almoçar em uma churrascaria. De acordo com uma testemunha, o Rei do Gado também chegou a bancar vinho e uísque para os servidores da delegacia.
Dia da fuga
De acordo com as investigações, Welton Júnior fugiu da cadeia da delegacia na manhã de 30 de junho de 2016. Ele chamou a mãe Leidina Alves de Bessa usando um celular que também teria ganhado o direito de ter após suborno.
Quando ela chegou, em uma Mercedes-Benz preta, ele estava esperando debaixo de uma árvore do lado de fora da delegacia. Os dois saíram tranquilamente no carro até a saída para a cidade de Nerópolis, onde a mãe desceu do veículo e ele continuou.
O Rei do Gado trocou de carro e fugiu para o Pará, onde ficou quatro meses. Em seguida, se escondeu no Rio de Janeiro (RJ), onde mais tarde foi preso, em 2017, quando já era suspeito de extorsão a padre Robson.
Os R$ 100 mil pela fuga teriam sido pagos por Leidina, em duas parcelas e em dinheiro vivo, escondidos em sacolas de uma perfumaria conhecida. Welton Junior foi condenado pela extorsão em 2019 e na ocasião fez uma delação premiada. Naquele ano ele estava em um presídio federal. Atualmente ele está em um presídio estadual goiano.
Facilidade para escapar
A fuga de Welton só foi percebida e divulgada no dia 1º de julho de 2016. Só a partir daí o caso foi noticiado na imprensa. Para a corregedoria da Polícia Civil, isso foi proposital, para dificultar a descoberta do crime.
Segundo depoimentos no inquérito, a grande quantidade de presos para poucos funcionários ajudou a mascarar a fuga.
Havia apenas dois agentes policiais para 70 presos. A contagem diária dos detentos era feita em forma de chamada, sem contato visual. Um dos presos disse que um detento chegou a responder à chamada como se fosse Welton Júnior.
Outros crimes
A relação entre o “hacker do Padre Robson” e policiais civis é alvo de outras investigações ainda não concluídas, inclusive do Ministério Público.
O hacker chegou a afirmar, depois de ser preso em 2017, que padre Robson teria pago R$ 1 milhão para sumir com um pen drive, que teria informações comprometedoras (incluindo mensagens de cunho íntimo). Welton já disse até que tinha um caso com padre Robson. A defesa do religioso sempre negou isso.
Welton Junior também já disse que foi obrigado por policiais civis a fabricar documentos para extorquir o padre Robson de dentro da delegacia. O próprio Welton disse ter sido extorquido pelos policiais a pagar R$ 165 mil. Tudo isso depois de preso em 2017.
Investigação suspensa
Na época, o Ministério Público defendeu que havia verossimilhanças nas alegações do Rei do Gado sobre a propina para a polícia e que isso deveria ser investigado. Um relatório da Polícia Civil também disse ter identificado, em interceptação na mãe de Welton, “um robusto esquema de informações e corrupção dentro do sistema prisional e de outras forças policiais”.
Por causa disso, uma nova investigação foi aberta dentro do Ministério Público em 2018, só para investigar essa relação entre Welton e servidores da Segurança Pública. Procurado pela reportagem, o MPGO informou que essa investigação está suspensa por causa de decisão liminar do Tribunal de Justiça, que proíbe o compartilhamento de provas colhidas na investigação arquivada sobre padre Robson.
Em decisão de dezembro de 2021, a juíza Lília Mônica Escher determinou a suspensão de utilização de “qualquer documentos colhidos na investigação PIC 02/2018 e suas cautelares”, o que inclui as interceptações telefônicas da mãe de Welton.
Indiciados
Foram indiciados por receber vantagem econômica indevida para conceder regalias ao preso Welton Junior, os policiais civis Eterno Pereira da Silva Morais, Eduardo Alves de Araújo e Márcio Alves dos Santos. Eles continuam trabalhando dentro da corporação, segundo o Portal da Transparência estadual.
Welton e a mãe foram indiciados por corrupção ativa. Outros dois policiais foram indiciados por falso testemunho e posse irregular de munição, que foram flagradas no decorrer da investigação, que contaram com interceptações, buscas e apreensão, pedidos de quebra de sigilo e dezenas de depoimentos.
Questionada pela reportagem sobre os policiais indiciados, a Polícia Civil informou apenas que “os fatos encontram-se sob investigação da Corregedoria da Polícia Civil de Goiás e, tão logo seja possível, informaremos à imprensa acerca do assunto”. A Secretaria de Segurança Pública (SSP) não respondeu aos questionamentos da reportagem.
O Metrópoles também entrou em contato com o advogado do indiciado Eterno indicado no inquérito, que disse não advogar mais para ele, mas que entraria em contato com o ex-cliente para uma posição. A reportagem tenta contato com as defesas dos outros indiciados.
Procurada a respeito do caso, a defesa do padre Robson não quis se manifestar.
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