Em 2022, a Polícia Militar do Distrito Federal (PMDF) começou uma investigação interna para descobrir se um lote de armas comprado tinha defeito. Após dois meses, a corporação concluiu que não havia problema nos equipamentos, mas, ainda assim, colocou o processo em sigilo.
Não foi a primeira vez que a PMDF decidiu deixar longe do controle social alguma informação produzida dentro do órgão. Entre 2016 e 2021, a instituição especificou 14.716 processos como sigilosos, número maior que a quantidade de dados classificados como secretos pelo Exército Brasileiro, pela Força Aérea Brasileira (FAB) e pelo Ministério da Defesa. Só a Marinha tem mais.
A Lei Federal nº 11.527, de 2011, que regula o acesso dos cidadãos aos dados produzidos por entes públicos e que ficou conhecida como Lei de Acesso à Informação (LAI), observa que na administração pública a publicidade deve ser regra, e a confidencialidade, exceção. No entanto, prevê os casos em que o sigilo, também chamado de classificação de informações, pode ser imposto.
No âmbito distrital, esse acesso é regulado pela Lei nº 4.990, de 2012. Para se fazer um pedido dessa natureza, a legislação estabelece que se diga o assunto sob o qual versa o documento e o fundamento.
Além disso, o órgão deve deixar os processos secretos em um rol de informações classificadas no site público da instituição. A PMDF publica uma lista com os documentos postos em sigilo por ano, mas o único dado disponível é o número de protocolo.
PMDF nega defeito em lote de armas, mas coloca investigação sob sigilo
Para Rodrigo Chia, advogado e porta-voz do Observatório Social de Brasília (OS Brasília), associação sem fins lucrativos que promove a transparência e o controle social dos gastos públicos no DF, é natural que uma força policial tenha mais processos em sigilo que outros órgãos, por lidar com informações sensíveis, mas pondera que deve haver uma razoabilidade e uma boa justificativa para tal.
“Podem existir dados relativos à forma de se fazer o policiamento, às estratégias de combater o crime organizado, isso é o mais óbvio [para se classificar informações]. De toda forma, não é razoável que se adote o sigilo como padrão”, destacou o ativista.
Levantamento feito pelo Metrópoles mostra que o instrumento varia dentro das próprias Forças Armadas. O Exército e a Aeronáutica, também entre 2016 e 2021, catalogaram menos processos em sigilo do que a PMDF: 196 e 8.535, respectivamente. Por outro lado, a Marinha carimbou 77 mil documentos como oficiais.
Veja quantos processos cada Força colocou em sigilo de 2016 a 2021:
- PMDF – 14.716
- Exército Brasileiro – 196
- Marinha do Brasil – 77.043
- Força Aérea Brasileira – 8.535
- Ministério da Defesa – 1.798
De acordo com Rodrigo Chia, pode acontecer de os órgãos usarem o expediente previsto na LAI para classificar informações como um “recurso automático”. “Muitas vezes, qualquer assunto que cause constrangimento, mesmo que não prejudique a segurança, se coloca sigilo. É um recurso automático a esse expediente do sigilo, para evitar a exposição de qualquer tema sensível”, explicou.
Outro ponto de preocupação para o representante do OS Brasília é a forma como os órgãos publicam dados à respeito das informações secretas. Segundo o advogado, é importante que a sociedade tenha acesso ao tema do processo que foi posto em sigilo para que haja um controle social sobre esse recurso.
“É preciso encontrar um ponto de equilíbrio, em que não se publique a informação que não quer publicar. Seria um contrassenso, mas ofereça elementos mínimos para o controle social. Para que o cidadão, ou uma organização, possa averiguar aquele sigilo, e caso tenha dúvida ou questionamento, se questione”, defendeu o ativista.
O especialista em direito administrativo e doutorando em direito público pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) Rafael Arruda tem opinião parecida. Segundo ele, a classificação feita pela autoridade não pode ser arbitrária. O mínimo, emenda ele Arruda, é o órgão justificar a decisão.
Imposições de sigilo viram prática comum durante governo Bolsonaro
“Não basta apenas afirmar que o ‘assunto X’ é sigiloso, porque envolve segurança da sociedade e do Estado. É preciso mais: deve o agente esclarecer, fundamentadamente, porque a hipótese é cabível”, argumentou. “Decretar ou não sigilo não é, e não pode ser nunca, um ato aleatório da autoridade administrativa”, complementou.
Para Rafael Arruda, é preciso que o órgão fundamente a decretação de sigilo e demonstra preocupação com a “banalização” do recurso. “O dever de publicidade imposto aos agentes públicos é princípio constitucional de atuação da administração pública, somente podendo ser restringido em hipóteses especiais, sob pena de abuso de direito e desvio de finalidade”, afirmou o pesquisador.
A reportagem convidou a Polícia Militar do Distrito Federal (PMDF) a comentar por que tantos processos postos em sigilo entre 2016 e 2021, mas até a última atualização desta matéria não obteve resposta. O espaço segue aberto para eventuais manifestações.
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