Por que aeroportos de SP e RJ se tornaram dor de cabeça para o governo

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Quando tomou posse para o seu terceiro mandato como presidente da República, em 1º de janeiro, Luiz Inácio Lula da Silva possivelmente não imaginava que a transferência da gestão de alguns dos principais aeroportos do país para a iniciativa privada se tornaria uma das maiores dores de cabeça do início de seu governo.

Em apenas quatro meses, pelos menos quatro grandes aeroportos brasileiros, localizados em dois dos três estados mais populosos do país (São Paulo e Rio de Janeiro), levaram integrantes do primeiro escalão do Executivo e da Empresa Brasileira de Infraestrutura Aeroportuária (Infraero), além de prefeito e governador, a quebrarem a cabeça em busca de alternativas para resolver impasses relacionados a concessões dos terminais, incluindo uma possível relicitação ou até mesmo à capacidade de operação dos aeroportos.

Santos Dumont e Galeão

O caso mais emblemático é o imbróglio envolvendo o Aeroporto Internacional Tom Jobim (Galeão) e o Santos Dumont, no Rio de Janeiro. No início de abril, a Infraero decidiu revisar a capacidade do Santos Dumont de 9,9 milhões para 15,3 milhões de passageiros por ano, um aumento de 54,5%.

O Santos Dumont tem sido alvo de críticas, com inúmeros relatos de longas filas, terminal lotado e atraso de voos. No ano passado, o aeroporto recebeu mais de 10 milhões de passageiros, mais do que o atual limite de capacidade. Por outro lado, o Galeão, com capacidade para 37 milhões de passageiros por ano, está ocioso: recebeu menos de 6 milhões de pessoas em 2022.

A decisão da Infraero revoltou o prefeito do Rio, Eduardo Paes (PSD), que acusou a estatal de cometer “uma canalhice inaceitável contra o Rio”. Segundo ele, ao ampliar a capacidade do Santos Dumont, a Infraero esvazia ainda mais o Galeão, o que prejudica o setor de turismo, por se tratar de um aeroporto internacional.

“O Rio perdeu um monte de coisa, historicamente. Se a gente deixar de ter um aeroporto internacional com conexões internacionais, essa vocação que é tão natural nossa, de cidade global, de porta de entrada do turismo no Brasil, a situação vai ficar muito ruim”, disse Paes em um vídeo publicado nas redes sociais no dia 8 de abril. “O Rio precisa de um aeroporto internacional. Sabemos dos problemas da cidade. Não podemos permitir que o Galeão seja destruído.”

O ministro de Portos e Aeroportos, Márcio França, teve de entrar em campo para apaziguar os ânimos. Também pelas redes sociais, desautorizou a Infraero, disse que “qualquer decisão sobre o aeroporto será comunicada diretamente ao governador e ao prefeito” e afirmou que o governo federal pretende limitar o número de voos para o Santos Dumont.

Na semana passada, em uma reunião com Paes e o governador do Rio, Cláudio Castro (PL), França reiterou que há um consenso sobre a necessidade de reduzir, e não aumentar, o movimento no Santos Dumont – mas ainda não houve qualquer definição sobre o que fazer, efetivamente. A ideia apresentada por Paes e Castro é a de que o Santos Dumont receba apenas conexões dos aeroportos de Congonhas, em São Paulo, e Brasília. Os demais voos seriam destinados ao Galeão.

“O governador e o prefeito fizeram uma proposta para reduzir os destinos no Santos Dumont a Rio-São Paulo e Brasília. Mas é uma proposta. A gente vai adequar naquilo que a gente puder fazer”, afirmou França. “Tudo isso não é contra o Santos Dumont, é para fazer com que o Galeão possa recuperar os seus passageiros.”

Para resolver essa equação, o governo terá de desatar outro nó: a Changi, grupo de Cingapura que venceu o leilão para o aeroporto em 2013 e controla a RioGaleão, administradora do terminal, quer renegociar com o governo a sua permanência no país. Em 2022, a empresa havia desistido do aeroporto e anunciado que devolveria o terminal à União. Agora desistiu de devolver a concessão, mas quer renegociar o acordo. Atualmente, a Changi detém 51% da RioGaleão e a Infraero, 49%.

Na semana passada, representantes da RioGaleão pediram a França um prazo de 10 dias para dar uma resposta definitiva sobre a concessão do Galeão. Se o imbróglio não se resolver, o Executivo não descarta a possibilidade de intervenção no aeroporto, repassando as operações à Infraero de forma temporária.

Uma análise sobre a situação dos aeroportos do Rio feita por Marcus Quintella e Marcelo Sucena, respectivamente diretor e pesquisador sênior da FGV Transportes, à qual o Metrópoles teve acesso, diz que, ao contrário do que afirma Paes, não há “conexão causal intensa e direta” entre a queda do número de passageiros no Galeão e o aumento no Santos Dumont. Segundo os especialistas da FGV, “a falta de capacidade do município do Rio de Janeiro para gerar demanda está fortemente conectada com a redução de demanda” do Galeão.

“O Rio de Janeiro precisa voltar a crescer economicamente para ser atrativo para o turismo e para todos os tipos de negócios. Aí, sim, GIG (Galeão) e SDU (Santos Dumont) voltarão a conviver harmonicamente e com resultados promissores, independentemente se estarão ou não sob a mesma gestão”, diz o documento.

Congonhas

A concessão do aeroporto de Congonhas, em São Paulo, o segundo mais movimentado do Brasil (atrás apenas do aeroporto internacional de Guarulhos), também é motivo de preocupação no governo. Em agosto do ano passado, o grupo espanhol Aena arrematou o bloco principal de uma rodada de leilões de aeroportos nacionais, que incluía Congonhas e 10 terminais de menor porte, por R$ 2,45 bilhões.

Uma ala do governo federal entende que há brechas jurídicas para que a concessão seja revertida. O motivo seria a suposta utilização indevida, pela Aena, de precatórios como parte do pagamento, o que justificaria o cancelamento do contrato. A empresa espanhola nega qualquer irregularidade e diz ter seguido a legislação. Precatórios são títulos de dívidas do poder público que já transitaram em julgado – dívidas reconhecidas pela Justiça que a União ainda não pagou.

O tema é considerado tão sensível pelo governo que entrou na pauta da conversa entre Lula e o primeiro-ministro espanhol, Pedro Sánchez, durante a visita do presidente brasileiro à Espanha, no fim de abril.

A Aena tenta pagar, por meio de precatórios, R$ 1,16 bilhão dos R$ 2,45 bilhões oferecidos no leilão. A companhia espanhola já teria apresentado uma fiança referente a esse valor. A ala do governo favorável a que se mantenha a concessão, por sua vez, defende que a fiança seja aceita. Assim, mesmo que os precatórios sejam recusados no futuro, o governo teria a garantia de que a outorga seria paga integralmente. No fim de 2021, o uso de precatórios para o pagamento de outorgas foi autorizado pela PEC dos Precatórios, aprovada pelo Congresso Nacional.

Viracopos

A relicitação do Aeroporto Internacional de Viracopos, em Campinas (SP), é outro problema que parece distante de uma solução. O caso segue pendente de análise pelo Tribunal de Contas da União (TCU). A Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) encaminhou ao TCU o processo de relicitação do aeroporto em março de 2022. Desde então, não houve avanço.

Quem administra o terminal desde 2012 é a concessionária Aeroportos Brasil Viracopos, que segue à espera da posição do TCU sobre a relicitação. Enfrentando dificuldades financeiras, com uma dívida de R$ 2,8 bilhões, a concessionária suspendeu o pagamento da outorga – com isso, deixaram de entrar nos cofres públicos mais de R$ 250 milhões por ano. O governo federal entrou com um processo de caducidade, por meio do qual seria decretada a falência da administradora sem necessidade de pagamento de indenização pelos investimentos realizados. A companhia, por sua vez, alega que há discrepâncias entre os números do contrato de licitação e aqueles com os quais o governo trabalha.

Em 2018, em meio à crise, Viracopos entrou em processo de recuperação judicial, concluída em 2020 – foi o primeiro aeroporto do país a recorrer a tal instrumento. A recuperação judicial é um processo que permite a renegociação de dívidas, evitando o encerramento das atividades, demissões ou falta de pagamento aos funcionários. Por meio desse instrumento, as empresas ficam desobrigadas de pagar aos credores por algum tempo, mas têm de apresentar um plano para acertar as contas e seguir em operação. A Infraero possui 49% das ações do aeroporto em Campinas. Os outros 51% estão divididos entre a UTC Participações, a Triunfo Participações e a Egis, que integram a concessionária.

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