Apesar dos anos de isolamento, o governo de Nicolás Maduro deu sinais, nos últimos meses, de que pode voltar aos poucos ao cenário internacional.
Desde o início do ano, a agenda do ditador da Venezuela contou com diversas viagens internacionais e reuniões, visando não só o fortalecimento de antigas alianças como também o resgate de laços regionais perdidos há algum tempo.
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Somente entre fevereiro e início de junho, Maduro participou de pelo menos 24 encontros com autoridades estrangeiras, segundo levantamento do Metrópoles.
Um dos mais importantes ocorreu no fim de maio em Brasília, onde o ditador da Venezuela se reuniu com outros chefes de Estado da América do Sul. Na reunião, Maduro celebrou a retomada das relações bilaterais com o Brasil e chamou o encontro com o presidente brasileiro de “transcendental”, após ser defendido por Lula.
A agenda internacional de Maduro ainda contou com participação na posse do presidente reeleito da Turquia, Recep Erdogan, no início deste mês. Dias depois, o líder venezuelano foi recebido com honras de chefe de Estado pelo príncipe herdeiro da Arábia Saudita, Mohammad bin Salman, em uma reunião entre os presidentes dos dois países com as maiores reservas de petróleo do mundo.
De acordo com analistas, a movimentação internacional de Maduro, apesar das diversas sanções e críticas ao seu governo, pode ser o indicativo de uma nova fase para a Venezuela, em meio a mudanças na geopolítica mundial que explicam a diminuição do isolamento do país.
Mudanças políticas na América do Sul
No fim de maio, Maduro visitou Brasília pela primeira vez em oito anos, para participar da Cúpula de Presidentes da América do Sul. O ditador venezuelano desembarcou na capital federal na véspera do encontro, e foi recebido no Palácio do Planalto pelo presidente Lula.
Por iniciativa petista, o Brasil reativou os laços diplomáticos e econômicos com a Venezuela, após um afastamento total entre os dois países durante a gestão de Jair Bolsonaro (PL). Mas declarações do atual mandatário brasileiro, após a agenda bilateral, desagradaram outras lideranças sul-americanas.
Segundo Lula, foi construída uma “narrativa” contra a Venezuela sobre a falta de democracia e um contexto de “autoritarismo” no país. A defesa aberta ao venezuelano incomodou parte dos presidentes convidados para o encontro no dia seguinte. A voz mais dura a se levantar contra o discurso do brasileiro foi a do mandatário do Uruguai, Luis Lacalle Pou.
Lacalle Pou não chegou a citar o nome de Lula, mas disse que ficou “surpreso quando se falou que o que acontece na Venezuela é uma narrativa”.
O outro presidente a levantar a voz contra a fala de Lula, porém, é de esquerda, como o brasileiro: o chileno Gabriel Boric. Na mesma reunião que tinha apenas os chefes de Estado do continente, Boric afirmou que é “impossível fazer vista grossa para as violações de direitos humanos na Venezuela”.
Veja:
O líder chileno, no entanto, saudou o retorno de Maduro aos organismos e encontros multilaterais. Na declaração à imprensa, ele reforçou a retórica do mandatário brasileiro de que é preciso abrir canais de diálogo. “Nesses espaços em que se resolvem os problemas, e não atacando uns aos outros”, declarou Boric à imprensa.
Apesar do mal-estar em relação a Maduro em Brasília, o ditador venezuelano tem mantido relações de aproximação com lideranças do continente. Do total de encontros dele, 11 foram com autoridades da América do Sul — três delas, com o colombiano Gustavo Petro.
Stephanie Braun Clemente, internacionalista especialista em Venezuela e doutoranda em relações internacionais pela Universidade Estadual do Rio de Janeiro, pondera que países que integravam o Grupo de Lima e reconheciam Juan Guaidó como o presidente venezuelano — como a Argentina, Bolívia, Brasil, Colômbia, México e Peru —, mudaram de postura em relação à Venezuela.
A mudança se justifica por que “o isolamento de Maduro, mostrou-se, na prática, ser ineficaz para a busca da ‘estabilidade política’ no país”.
“A meu ver, a retomada do diálogo que está sendo realizada por pares regionais tem o potencial de melhorar um pouco a qualidade de vida do povo venezuelano — por meio do comércio regional e de acordos a respeito dos refugiados que se encontram em vários Estados da região”, prossegue Stephanie.
Apoio internacional a Guaidó
Em 2019, parte da comunidade internacional enxergou em Juan Guaidó uma chance de minar o poder de Maduro após o opositor do bolivarianista se autoproclamar presidente da Venezuela.
Contudo, o apoio internacional ao governo interino na tentativa de derrubar o ditador venezuelano se mostrou ineficaz. Em 2022, Guaidó foi removido do cargo — que não chegou a assumir oficialmente —, após a Assembleia Nacional da Venezuela destituir o político.
“Apesar de os últimos anos terem sido marcados por enorme isolamento do governo bolivariano no mundo, o apoio internacional ao opositor Juan Guaidó não se mostrou uma estratégia eficaz para o enfraquecimento do governo de Maduro”, explica Stephanie.
Para a especialista, com o isolamento se mostrando insuficiente, alguns países passaram a retomar as relações com a Venezuela de olho no próximo pleito presidencial no país, previsto para 2024.
“O isolamento não se mostrou suficiente e, agora, é preciso focar no processo eleitoral que se aproxima. Inclusive, os próprios EUA estão pressionando para que as próximas eleições contem com a participação da oposição e que sejam ‘livres e transparentes’ como condição para que novas sanções sejam flexibilizadas”, analisa.
Petróleo, guerra e EUA
Ainda que estejam separados por cerca de 10 mil km, o regime de Maduro viu os reflexos diretos da guerra na Ucrânia em sua política externa após o início do conflito. Dono da maior reserva de petróleo do mundo, a Venezuela se tornou uma saída para países afetados pela guerra e pelas ações de Vladimir Putin.
“A Federação Russa é um dos maiores produtores de energia do planeta. O país exporta e fornece milhões de barris de petróleo e gás por dia. Com os embargos e as sanções sofridos pelas grandes potências do globo, como fim de fazer Putin finalizar a guerra, o fornecimento acabou por sofrer o impacto no fluxo de compra e venda pelo mundo inteiro”, destaca Alana Monteiro Leal, internacionalista e consultora de comércio exterior.
Com isso, sanções contra a Venezuela foram flexibilizadas, inclusive as impostas pelos EUA, devido à necessidade de compra do petróleo venezuelano.
“Empresas que haviam saído do país estão podendo regressar sem medo de sofrerem represálias. E, claro, tal forma de reaproximação dos EUA acaba por abrir o caminho para que outras nações também voltem a conversar com a Venezuela”, ressalta Stephanie.