Brasília — A Superquadra Sul 106 (SQS 106), no coração do Plano Piloto, acaba de ganhar
um novo marco na preservação da memória de Brasília. Na manhã do último sábado, 30 de
agosto de 2025, moradores, pioneiros e autoridades locais participaram da inauguração do Projeto Passos Pioneiros, que instalou seis placas históricas pela quadra, contando a
trajetória dos primeiros blocos residenciais da capital e das famílias que ajudaram a erguer a cidade.
O marco zero dos blocos residenciais
A SQS 106 ocupa um lugar singular na história de Brasília. Foi aqui que, em junho de 1959,
surgiram os três primeiros blocos residenciais da capital — C, D e I — projetados por Oscar
Niemeyer. O bloco D foi entregue primeiro, seguido do I e, logo depois, do C, todos antes
mesmo da inauguração oficial da cidade, em abril de 1960.
A quadra abriga blocos assinados por Niemeyer, somando oito ao todo, complementados por três projetos do arquiteto Wagner Neves. Essa mistura torna a SQS 106 um ponto arquitetônico único no conjunto urbanístico tombado da capital.
Mas a história não começa apenas com os prédios. Antes mesmo da conclusão das obras,
famílias pioneiras viveram em barracos de madeira improvisados, erguidos na área onde
hoje está o bloco I. Ali se abrigaram engenheiros, operários e técnicos vindos de várias
partes do país para tocar o sonho da nova capital.
Placas que contam histórias
As seis placas inauguradas pelo projeto resgatam episódios e personagens centrais da
quadra. Em frente ao Centro de Ensino Fundamental 01, por exemplo, há uma homenagem
à professora Maria Isaura de Albuquerque e Silva, primeira diretora da escola inaugurada
em 1960. Outras placas recordam a construção dos blocos C, D e I, o papel do Conjunto
Residencial do IAPC e a trajetória de moradores pioneiros.
Com textos em português, inglês e espanhol, os totens foram elaborados em parceria com o Arquivo Público do Distrito Federal e contam também com apoio do DER-DF, que realizou
obras de revitalização na quadra. A expectativa da Prefeitura da SQS 106 é integrar o
espaço à rota oficial do turismo de Brasília, em articulação com a Secretaria de Turismo.
“As paredes não falam, mas agora temos uma forma de ouvir a história que elas guardam”,
resumiu o repórter Guilherme Glória, do DFTV, durante a cobertura da inauguração.
Vozes da memória
A cerimônia foi marcada pela emoção dos pioneiros que ajudaram a erguer a quadra. Um
dos relatos mais simbólicos veio de Chico Sant’Anna, filho do engenheiro Cláudio
Sant’Anna, da Kosmos Engenharia, responsável por parte das obras. Ele mostrou uma foto
de 1959 em que aparece ainda bebê, aos seis meses, no colo da mãe em frente às
casinhas de madeira que abrigavam as famílias dos trabalhadores.
“Meus pais vieram para o meio do nada, com quatro filhos pequenos. Hoje, ver essa história registrada em placas é motivo de orgulho para toda a família”, contou.
Outro depoimento veio de Roberto Wright da Silveira, que chegou à quadra em 1957 com o
pai e hoje já vê a quarta geração da família crescer em Brasília. “É uma emoção tremenda.
A gente saía de manhã para a escola e, quando voltava, já tinha uma rua asfaltada, uma
mudança no cenário. Acompanhar a cidade nascer foi único. Essas placas agora nos
ajudam a lembrar que somos parte viva dessa história”, afirmou.
Patrimônio e turismo residencial
O Projeto Passos Pioneiros aposta em um conceito inovador: o turismo residencial. Em vez
de apenas visitar monumentos oficiais, igrejas ou sedes de governo, os visitantes são
convidados a percorrer as próprias áreas de moradia, reconhecendo que Brasília nasceu
também a partir da vida cotidiana de seus habitantes.
“Pouquíssimas cidades no mundo podem oferecer esse tipo de experiência. Em Brasília, até
as quadras residenciais carregam valor histórico e arquitetônico”, destacou um dos
organizadores do projeto durante a cerimônia.
Um museu a céu aberto
Com o novo roteiro histórico, a SQS 106 reforça sua condição de museu a céu aberto. O espaço da Entrequadra 106/107, tombado em 2007, já era reconhecido como patrimônio cultural, e agora ganha novos pontos de visitação com potencial turístico. Próximo dali, o Cine Brasília, símbolo do cinema nacional, complementa esse circuito de memória e cultura. Para os moradores, o sentimento é de pertencimento. As placas não apenas preservam o passado, mas também reafirmam a importância de transmitir às novas gerações o orgulho de ser parte da fundação da capital.
O futuro da memória
O sucesso da inauguração abre caminho para que o Projeto Passos Pioneiros seja expandido a outras quadras históricas de Brasília. Se depender do entusiasmo de pioneiros e da mobilização comunitária, o modelo pode inspirar iniciativas semelhantes em todo o
Plano Piloto.
Na SQS 106, cada totem agora serve como lembrança de que, muito além do traçado
urbanístico de Lúcio Costa e das curvas de Niemeyer, Brasília foi erguida com o esforço
humano de famílias que transformaram barracos improvisados em blocos que ainda hoje
resistem, belos e preservados.
“É parte da história, é parte da cultura, do nascimento de Brasília. E agora está contado
para todos que passarem por aqui”, disse uma moradora ao final da cerimônia.
Matéria escrita por Ricardo Wright