Quadras poliesportivas sem grades de proteção, com ferros à mostra, pintura desgastada e chão desnivelado. Jogar futebol, handebol, basquete ou realizar qualquer outra atividade nesses espaços públicos do Distrito Federal deixou de ser diversão e, hoje, é sinônimo de perigo. Na noite do último dia 11, uma fatalidade que poderia ter sido evitada tirou a vida de Gustavo Nogueira de Souza, 18 anos. O jovem jogava futsal com os amigos quando tocou na cerca metálica do local, na EQNM 38/40 de Ceilândia, e foi eletrocutado.
Duas semanas após a morte, a situação desses centros de convivência de crianças, jovens e adultos permanece precária e favorece novas ocorrências. Nesta reportagem do DF na Real, o Metrópoles visitou quatro regiões administrativas e, em todas, sobram exemplos do descaso do poder público.
Na EQNO 11/13 em Ceilândia, por exemplo, só há resto da estrutura que um dia foi a cerca lateral. Uma dividida, um passe errado ou um chute torto, não raro, fazem com que a bola adquirida por moradores da região por meio de vaquinha perca seu valor.
“Quase toda semana precisamos comprar uma nova. Ela passa pelo espaço sem grade, vai para o meio da rua e os ônibus passam por cima”, conta Ailton da Silva, 31 anos, comunicador visual que trabalha ao lado da quadra e joga futebol no local com amigos. Segundo ele, oito precisaram ser compradas nos últimos meses.
Ailton diz que joga bola no local há bastante tempo e, mesmo com obras realizada em 2014, as grades foram rapidamente perdidas. “Quando fizeram a reforma, as emendas das pontas do arame ficaram viradas para dentro. Quem encostava, arranhava o corpo ou rasgava a camisa. Com isso, o pessoal foi tirando essas emendas para não machucar, e acabou caindo tudo”, relata.
O estudante Ian Sven Golçalves, 14, anos, também já presenciou pessoas ficarem feridas no local. “Vi muita gente se machucar aqui, como um menino que foi passar por baixo da grade retorcida para pegar a bola e rasgou as costas todas”, lembra. O pai de Ian, Carlos Eduardo Gonçalves, 46, demonstra preocupação com a estrutura do lugar. “Já era para ter sido feita alguma manutenção. A gente aqui não tem como comprar bola e arrumar a grade toda hora.”
Bola fora no DF: quadras poliesportivas estão em estado de abandono

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Carlos Eduardo Gonçalves diz que as redes compradas para ajudar não são suficientes
JP Rodrigues/Metrópoles

Ivan Golçalves, diz que já viu vários amigos se machucarem na quadra por causa da falta de estrutura
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Ailton da Silva reclama das várias bolas estouradas
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Grade atrás do gol já não existe mais
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Ao lado da quadra, também só há a estrutura metálica
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Pontas retorcidas oferecem perigo
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Uma das tabelas de basquete não existe mais
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A outra não tem aro
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Os gols também estão “furados”
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O local fica há apenas quatro quilômetros da quadra em que, em 11 de junho, Gustavo Nogueira de Souza morreu eletrocutado. Na última quarta-feira (19/06/2019), o vendedor Adilson Mata, 43 anos, afirma que nada foi feito. “Eu vi um pessoal do governo que deu uma olhada, mas não fizeram nada. Só desligaram a luz e colocaram a grade no meio da quadra”, conta.
Por causa da gambiarra, ninguém mais consegue praticar esportes lá. “Estamos jogando em outro lugar agora, pois ficou inviável. Não sei quando vão arrumar”, diz.
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Grade de uma das laterais foi colocada no meio da quadra
Material cedido ao Metrópoles

Agora, ninguém consegue mais jogar bola no espaço
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Uma homenagem a Gustavo foi feita no meio da quadra
Material cedido ao Metrópoles
Anos de abandono
O problema de quadras mal cuidadas, no entanto, não é problema exclusivo da cidade mais populosa do DF. Em Samambaia Norte, a reportagem do Metrópoles também encontrou locais que deveriam servir como aparelhos públicos, mas que estão em péssimas condições.
Na QR 209, as crianças entre 9 e 11 anos dizem que nunca viram a quadra em bom estado. “Meu pai já me contou que, em 2011, os vizinhos aqui se reuniram para comprar uma rede nova, mas eu mesmo nunca vi nenhuma reforma aqui”, conta Gabriel, 10.
Sem opções, os garotos acabam tendo que se sujeitar a desníveis no concreto, gols enferrujados e pedaços de grade soltos para jogar futebol. “Já teve menino pisando em prego, ralando o pé e cortando o braço”, lembra a criança.
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Na QR 209 de Samambaia Norte, a situação também é precária
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Estruturas pontiagudas e enferrujadas ficam à mostra
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O perigo ronda as crianças que frequentam o local
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Estrutura deteriorada
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Grades estão destruídas
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Buraco na cerca
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O desnível na quadra atrapalha o jogo e ainda pode causar lesões
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Redes novas foram compradas por vizinhos. Não se vê reforma por lá há muito tempo
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Perto dali, na QR 425, a situação é ainda pior. Há apenas um espaço com pintura no chão e algumas grades. Gols e tabelas desapareceram e o local, na frente da Escola Classe 425, está praticamente inutilizável.
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Quadra poliesportiva na QR 425, em Samambaia
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Grades destruídas, misturadas à grama, são um perigo a quem passa por perto do local
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Quadra poliesportiva na QR 425, em Samambaia
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Problemas que se repetem
Já na Quadra 604 do Recanto das Emas, as crianças estão criando outras formas de brincadeira para se adaptar aos problemas da quadra poliesportiva. Com bicicletas, os irmãos Cauã e Mariana ficam andando em círculos no espaço.
“Os gols caíram de vez tem pouco tempo e não sei para onde foram. Por conta disso, a gente coloca pedaços de madeira nos buracos que não fecharam e isso marca a trave”, conta o menino de 8 anos. Queimada é outra opção apontada, entre as poucas ideias seguras que ainda são possíveis de ser realizadas.
Sem noção do perigo, no entanto, os irmãos fazem questão de demonstrar as brincadeiras inventadas a partir da precariedade da quadra: escalada na grade enferrujada, acrobacias na estrutura metálica e o que eles chamam de “pula-pula”, que consiste em ficar dando saltos em cima da grade retorcida. A prática é feita apenas calçando chinelos, e as crianças correm grande risco de rasgarem o pé ou as pernas.
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No Recanto das Emas, só resta a estrutura da tabela
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Depois que os gols caíram, sobraram buracos na quadra
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Estrutura da cerca está caindo e as crianças costumam realizar escaladas…
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… Mas a área toda oferece risco à integridade física das crianças
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Criança faz acrobacias na estrutura sem grade
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Os mesmos problemas são vistos na QE 26 do Guará II. O autônomo Gaspar Antunes, 60, afirma que a única coisa nova feita por lá foi a pintura. “Só passaram uma lata de tinta aí e não fazem mais nada. Ainda fica gente à noite usando drogas e destruindo as coisas. A própria população também não se ajuda”, critica.
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Moradores da QE 26 do Guará II reclamam que a tinta tenta mascarar os problemas
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Olhando de perto, é possível perceber a cerca destruída
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Até o gol precisa ser amarrado, para que não caia
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Buracos na cerca
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Estrutura deteriorada
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O que diz o governo
Procurada, a Companhia Urbanizadora da Nova Capital do Brasil (Novacap) afirmou que mantém em curso uma licitação para recuperação de parques e praças, que está judicializada. A previsão, segundo o órgão, é de que o julgamento ocorra no próximo mês.
Já a Secretaria de Cidades informou que “as regiões administrativas, com o apoio da Fundação de Amparo ao Trabalhador Preso (Funap), por meio do projeto Mãos Dadas com detentos que cumprem medidas socioeducativas, realiza reformas e manutenção nos parquinhos infantis do Distrito Federal”.
De acordo com a pasta, “a exemplo da EQNO 4/6, no Setor O, em Ceilândia, foram feitos consertos e instalações de novos parquinhos, assim como o da Feira Permanente de Vicente Pires e em Taguatinga, nas regiões norte e sul da cidade. Em Sobradinho II, por meio de carta-convite, cinco parques, também serão reformados deste modo”.
A Administração Regional de Samambaia informou que não houve gasto de verba pública prevista no orçamento com essas reformas. Lá, afirma, a comunidade se mobilizou e custeou as melhorias para as quadras 312, 523, 504, 211 e 305. Parceiros ainda estão sendo procurados para que, através do programa Adote uma Praça, possam ser revitalizados esses espaços.
A Secretaria de Fazenda, Planejamento, Orçamento e Gestão disse que está fazendo um levantamento dos gastos com manutenções e obras dos parquinhos públicos no Distrito Federal.
Procuradas, as administrações regionais de Ceilândia, Recanto das Emas e Guará não haviam se pronunciado até a última atualização deste texto.
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