O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Gilmar Mendes, um dos protagonistas do mais recente escândalo que abalou o mundo político-judiciário de Brasília – a revelação do ex-procurador-geral da República Rodrigo Janot de que esteve por um fio de matá-lo – , foi o convidado desta segunda-feira (07/10/2019) do programa Roda Viva, da TV Cultura. Polêmico e controverso, o magistrado sinalizou para os jornalistas que deverá mudar seu voto, antes favorável, à prisão em 2ª instância, tema que deverá retornar ao debate em plenário no dia 23 deste mês de outubro.
“Nós somos nós e nossas circunstâncias”, filosofou, para depois dizer que a prisão antes do trânsito em julgado tornou-se um abuso. Ao lembrar o voto favorável à prática, em 2016, ele ressaltou ter falado em “possibilidade de se decretar a prisão e que, se houvesse excesso, ele teria que ser revisto”.
“O que é que passou a ser entendido a partir da ‘lavajatista’ ala lá de Curitiba e do Tribunal Federal Regional da 4ª Região? Ditaram uma súmula dizendo: ‘com a decisão em segundo grau, prende-se’. Portanto, não se fez mais nenhuma distinção. Nós temos que nos perguntar: ‘foi isso que nós decidimos?’”.
Gilmar relembrou que o ministro Marco Aurélio, seu colega no STF, ponderou que a questão não deveria ser decidida, à época, pelo tribunal, e sim esperar para ver como se daria a prática, numa espécie de “experimento institucional”.
“Se viu que deu errado”, observou. “Hoje temos dado liminares em caso que depois o STJ [Superior Tribunal de Justiça] cancela a condenação”.
Conúbio espúrio
Crítico mordaz da Lava Jato, Gilmar Mendes voltou a atacar a relação mantida entre o então juiz da operação, Sergio Moro, e o coordenador da força-tarefa, procurador Deltan Dallagnol, revelada após as mensagens entre ambos publicadas pelo site The Intercept.
Segundo ele, a Lava Jato “tem mais publicitários do que juristas” e tentou constranger o próprio STF. Embora ele tenha dito que defende a operação – “desde que combata a corrupção sem personalismo”, o magistrado afirmou que todos os elementos conhecidos mostram ter havido um “conúbio [relação íntima] espúrio” entre o juiz e os investigadores.
“Continuo defendendo a Lava Jato e o combate à corrupção, mas essas pessoas têm que servir à lei. Senão é gangsterismo. Essa gente tem que ser investigada. Se não houvesse o Intercept, muito provavelmente nós teríamos pessoas vendendo operações, fazendo coisas como forçar as pessoas a comprarem palestras. Tudo isso não é republicano”, ressaltou.
Roubando galinha
“Essa integração, essa mistura entre juiz e promotor nada tem a ver com o sistema judicial. Precisamos corrigir isso. Prosseguir no trabalho contra a corrupção, mas dentro de um quadro de normalidade institucional, menos personalista. É preciso que essas pessoas cumpram a lei. Sejam servas da lei”.
Para ele, os integrantes da Lava Jato têm que explicar o conteúdo das mensagens vazadas e, depois, reveladas. “Essas pessoas têm que explicar isso. Por que eles estavam roubando galinha ontem à noite? Sugiro um accountability [prestação de contas]: que contem para todos nós o que eles fizeram e porque eles fizeram”, disse.
Tratamento psiquiátrico
Quanto a Janot, seu agora arquiinimigo, Gilmar disse que, após o caso, sentiu uma pena enorme das instituições brasileiras. “Sou um estudioso e estou nisso há muitos anos. E todos nós vemos na PGR, um nome que todos conhecem, é um ícone, como Zé Paulo Sepúlveda. Por lá passaram nomes que depois foram inclusive para o STF. Quando a gente imagina que a procuradoria estava entregue em mãos de alguém que pensava em faroeste, isso realmente choca e da pena de ver como nós degradamos as instituições. Em relação à pessoa, eu só posso recomendar um tratamento psiquiátrico”.
Falsos heróis
Sobraram alfinetadas para a própria imprensa, que, segundo o ministro, teria adotado um “lavajatismo militante”. “Muitos de vocês assumiram esse papel”, observou. “Numa democracia, é preciso uma mídia crítica. Vocês criaram falsos heróis”.
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