Finalista dos prêmios Jabuti e Oceanos já com seu livro de estreia, Alguns Humanos (Tinta da China), o escritor Gustavo Pacheco compôs os 11 contos da obra ao longo de demorados sete anos. Diplomata e antropólogo radicado em Brasília há 13 anos, o carioca revela que foi “escrevendo do jeito que dava”. “Nos intervalos do trabalho, com dois filhos pequenos. Sem aquele afã de publicar por publicar. Acabou saindo no tempo natural dele. Cada livro tem seu tempo próprio”, avisa.
Esse jeito aparentemente natural e descompromissado de lidar com a escrita casa direitinho com as obsessões e interesses permanentes de Pacheco. Leitor ávido de toda sorte de textos, de literatura tradicional a textos acadêmicos, ele vive em meio a anotações constantes de passagens que despertam sua curiosidade: de notas de rodapé em páginas de livros de história a personagens e casos encontrados em teses. A formação eclética não para por aí. Ele também é tradutor eventual, músico, sobretudo de samba, e foi um dos fundadores do bloco carnavalesco Cordão do Boitatá.
“Isso fica na minha cabeça. Vou atrás, leio bastante, investigo. Em algum momento, consigo traduzir essa obsessão numa história, numa narrativa”, explica. Pacheco foi acadêmico durante muito tempo e criou certo incômodo com a secura da linguagem científica.
“Ela tira da história, dos fatos, dos objetos o interesse original que esse assunto tem. Uma história interessante deixa de ser interessante. Como antropólogo, lendo etnografias, teses, doutorados, cruzo com personagens e situações que ninguém vai conhecer. Só uma meia dúzia de pessoas. Isso é uma pena. Acabam sendo jogadas fora centenas, milhares de histórias. E inspiração não falta”, acredita.
Alguns Humanos carrega em suas páginas paragens e personagens diversos. Do Bronx a Moçambique, de Salvador a Pequim, acompanhamos histórias de escravos, índios, um taxidermista que odeia computadores, um sujeito capaz de conversar com Deus.
O segundo conto, Alguns Primatas, foi baseado livremente na tese de doutorado do amigo antropólogo Guilherme Sá, sobre primatólogos de Minas Gerais que pesquisam os macacos muriquis. “Ele passou um ano na reserva. Os nativos eram os primatólogos. Meu texto é uma ficção, mas a inspiração concreta vem dali. Quando liguei pedindo autorização, ele se amarrou: ‘Mais gente vai ler o conto do que a tese’”, brinca Pacheco.
Conto x romance: discussão vazia
Pacheco publicou Alguns Humanos primeiro em Portugal, em março de 2018. Dois meses depois, o livro saiu no Brasil, pelo escritório da editora portuguesa Tinta da China no Rio de Janeiro. Antes, o autor apresentou o trabalho para vários selos nacionais. Alguns demonstraram interesse, mas recuaram por causa do formato da narrativa.
“Tinha essa coisa do conto, ‘não é legal estrear com livro de contos’. É uma mentalidade muito arraigada”, lamenta. De qualquer maneira, a trajetória incomum fez bem ao título, que chegou no Brasil acompanhado do burburinho positivo da crítica literária lusitana. A tal “rivalidade” entre conto e romance é vista por Pacheco como uma “discussão meio estéril”.
“Como leitor, nunca me preocupei se é conto ou romance. As pessoas querem algo que as atraia”, analisa. O próprio processo por trás de um e de outro costuma ser distinto. “Por um lado, tem a ver com a história que você quer contar. Por outro, há as circunstâncias materiais mesmo. São dedicações diferentes. Diz a lenda que o [Raymond] Carver escrevia contos e poesias porque era o que ele conseguia escrever no espaço de tempo disponível. Trabalhava de zelador, era alcoólatra, tinha filho pequeno”, explica.
Em Alguns Humanos, Pacheco tentou articular o que vê de mais interessante no fazer literário: borrar fronteiras entre gêneros – romance, conto e ensaio. Usando uma frase do escritor argentino Rodrigo Fresán, ele considera a obra um livro de contos, não com contos. “O ‘de’ é quando você pensa o livro organicamente, ecos e conceitos, uma razão para as histórias estarem daquele jeito, naquela ordem”, pensa.
Após o título de estreia, Pacheco segue escrevendo. Calcula ter, talvez, uns quatro ou cinco “livros potenciais”. “Cada um com sua caixinha e anotações que faço”, completa. Mas nada de planejar ou domar a espontaneidade do processo. “Estou sempre lendo e pesquisando. Faço isso permanentemente. Certas coisas vão conseguir se cristalizar em algo reconhecível. Tenho inveja de escritores metódicos que seguem plano. Não sou assim, não. Vou escrevendo, às vezes paro, daqui a pouco eu volto. Não dá para saber que forma vai ter.”
Alguns Humanos, de Gustavo Pacheco
Editora Tinta da China, 144 páginas, R$ 65. À venda em Brasília na Banca da Conceição (308 Sul) e on-line
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