Dos reclames

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Crédito da foto: Pixabay

 

Dedicado ao velho amigo Professor Áureo Cavaggioni

Edgard Steffen

Reclame ou reclamo. Para quem é muito jovem, acostumado com nosso português eivado por neologismos derivados ou copiados do inglês, o termo parece anacrônico. Como sou do tempo dos reclamos, resolvo consultar o Houaiss. O verbete comporta significados diversos. Reproduzo o que está sob a rubrica publicidade. Observação em periódico com fins publicitários ou informativos. Toda sorte de publicidade feita por meio de cartaz, anúncio, prospecto, etc.

No etecétera estão contidos os criativos comerciais da moderna televisão. O antigo e formal Flávio Cavalcante os anunciava peremptório “Nossos comerciais, por favor!” Chacrinha, em meio ao aparente caos da Discoteca, gritava “Roda, roda e avisa / um minuto pro comercial!” Fausto Silva prefere “… depois dos reclames do plim-plim”, ironia para ligar apelos comerciais a coisa antiga.

O assunto me foi sugerido por folheto sobre remédios antigos recebido de amigo de infância. Cinco velhas estampas de reclamos.

Num deles homem com a mão na cabeça e fácies de sofrimento; abaixo, em ponto maior, o mesmo personagem em largo sorriso, porque Melhoral proporcionou-lhe “alívio imediato” da dor de cabeça.

Noutro, jovem dá “… Graças a Deus” por haver tomado Cafiaspirina que “alivia o cérebro e não ataca o coração nem os rins.” Em depoimento, finaliza “Assim pensa um como tantos outros. V. Excia mesmo se convencerá.”

Pescador carrega sobre as costas enorme peixe. Anuncia a Emulsão de Scott. Traz a informação de que foi produzido “à base de fígado de bacalhau”. Receitaram-me o fortificante como fonte de vitamina D. Para vencer a náusea, após a colher de chá do óleo, davam-me colher de vinho de laranja. Passadas oito décadas não me convidem a tomar vinho de laranja… nem óleo de fígado de peixe.

Duas sereias emergem da água. No braço alevantado exibem garrafa, uma com o número 1 e outra com o número 2. Emolduram o “Remédio de Confiança das Senhoras – Regulador Xavier”. Logo abaixo as “applicações” para o fármaco. O leiteiro de meu irmão Oscar queixava achaques das mais variadas naturezas. Certo dia, lamentou que os médicos não o curavam. Perguntou — Seu Oscar, o senhor que é lido, não conhece algum remédio bom? De improviso, meu irmão gozador indicou-lhe o remédio. Depois de algum tempo, o leiteiro agradecido presenteou-lhe com queijo e manteiga.

Estava curado. Não me perguntem se era o 1 para o excesso ou o nº 2 para escassez de menstruação!?…
Noutro reclame, moça sorridente olha para vidro de Biotônico Fontoura; no rótulo a sucinta indicação para “sangue, músculos, nervos”. A fórmula criada pelo farmacêutico Cândido Fontoura entusiasmara Monteiro Lobato. O escritor sentiu-se curado de astenia que o acometera.

Para os reclames, criou Jeca Tatuzinho — inesquecível personagem do almanaque. Neste, quadrinhos contavam a história de um caipira anêmico e desanimado que, vermifugado, curou-se com o biotômico (à época composto de vinho quinado com extratos vegetais) e tornou-se abastado fazendeiro. O Jeca Tatuzinho ganhou maior fama que o Jeca Tatu, criado pelo mesmo Lobato, no livro Urupês.

Nauseada recordação. Uma vez por ano, no Grupo Escolar, o serviço de saúde — para evitar que virássemos jecatatuzinhos — nos vermifugava com Tetracloreto de Carbono associado a Óleo de Quenopódio, seguidos de purgante salino. Todos horrorosos de engolir.

Num ambiente de baile (ou restaurante) homem de casaca afasta-se de sua dama para tossir cobrindo a boca com lenço. No texto apenas duas palavras. Acima, “Tosse?” Abaixo, “Bromil!” Sucesso de vendas num tempo em que muito se tossia… até por tuberculose. Nos Centros de Saúde cartaz advertia: “Quem vê cara não vê pulmão. Faça abreugrafia”.

O mais clássico dos reclames, você o encontrava nos bondes. Seu autor provável, o poeta Bastos Tigre. Veja, ilustre passageiro, o belo tipo faceiro que o Senhor tem ao seu lado. No entanto, acredite, quase morreu de bronquite, salvou-o o Rhum Creosotado.

Nota do autor: Nenhuma intenção propagandística. Alguns dos remédios mencionados ainda existem e as fórmulas estão devidamente atualizadas.

Sorocaba, janeiro de 2020

Edgard Steffen é médico pediatra e escritor. E-mail: [email protected]

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