O QUE FOI (E O QUE É) O COMANDO DE CAÇA AOS COMUNISTAS-CCC
Salin Siddartha
O Comando de Caça aos Comunistas-CCC é uma organização de extrema direita de caráter paramilitar que foi muito ativa nas décadas de 1960 e 1970 e que voltou a atuar desde 2014. O CCC surgiu em São Paulo como fruto da junção de diversos grupos extremistas de direita, entre eles a “Canalha” do Colégio Mackenzie e os “Matadores” da Faculdade de Direito do Largo de São Francisco, sendo que se efetivou, mesmo, em abril de 1963, quando era propagado, especialmente na classe média, o temor do comunismo e o progresso da esquerda no País.
Seus membros recebiam treinamento militar no Exército Brasileiro e andavam armados; muitos deles também agiam como delatores. Em 1964, o CCC participou ativamente do movimento que depôs o Presidente João Goulart, agindo na invasão da Companhia Telefônica de São Paulo e das Docas de Santos; no dia 1º de abril daquele ano, incendiou a sede da União Nacional dos Estudantes-UNE, no Rio de Janeiro e tomou os estúdios da Rádio MEC, também no Rio, destruindo suas instalações e equipamentos. Depois disso, só voltou a atuar em 1968, quando em uma carta aberta ao Governador Abreu Sodré, anunciou sua volta em função do que considerava a omissão do governo em face do “avanço comunista”, na época, lançou um manifesto à imprensa assinado como “Comando de Caça aos Comunistas, São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Porto Alegre”, divulgando nele seus objetivos, ainda naquele ano, o CCC praticou atentados a bomba na sede da Associação Brasileira de Imprensa-ABI, à redação e agência de classificados do jornal Correio da Manhã, ao depósito de papel do Jornal do Brasil; além disso, atacou a Livraria Civilização Brasileira e a Editora Forense – uma das bombas, que não explodiu, era de arsenal militar.
O maior ataque do CCC foi aos atores da peça “Roda Viva”, de Chico Buarque de Holanda, dirigida por José Celso Martinez Corrêa, encenada no Teatro Ruth Escobar, em São Paulo, realizada no dia 18 de julho de 1968, quando 90 facínoras do Comando, muitos deles militares de extrema-direita, que estavam infiltrados na plateia, iniciaram um quebra-quebra no equipamento do auditório, galgaram o palco, depredaram o cenário, entraram nos camarins e bateram nos atores, ferindo 19 artistas, dentre os quais a famosa atriz Marília Pêra, que foi despida e agredida a golpes de cassetetes. Para essa ação, a quadrilha do CCC contou, naquele dia, com um grupo de outros 20 homens destinados a apoiar a fuga dos bandidos. Em 5 de outubro de 1968, realizaram ataque aos estudantes que se encontravam na Faculdade de Filosofia da USP, na rua Maria Antônia (justamente em frente à Mackenzie, principal foco de atuação desse grupo paramilitar ultradireitista em São Paulo), no que ficou conhecido como a “Batalha da Maria Antônia”; em 2 de dezembro do mesmo ano, o CCC praticou atentado a bomba no Teatro Opinião, no Rio de Janeiro, à sede do Sport Club Internacional, em Porto Alegre-RS, sob alegação de ser um time de futebol comunista, já que o uniforme dos jogadores era vermelho. Em 1968, também atacou diversas emissoras de rádio. Às vezes, o CCC aliava-se a grupos como o MAC (Movimento Anticomunista) ou o FAC (Falange Anticomunista) para cometer atentados.
As ações do Comando de Caça aos Comunistas e de outros grupos paramilitares de direita diminuíram depois da edição do Ato Institucional nº 5 (AI-5), em 13 de dezembro de 1968, com
seus integrantes tendo sido absorvidos pelo aparelho de repressão que se montou com a radicalização do regime militar; entretanto, em 26 de maio de 1969, o grupo sequestrou e assassinou o Padre Antônio Henrique Pereira Neto, assessor de Dom Hélder Câmara – Arcebispo de Olinda e Recife, muito conhecido por sua atuação oposicionista ao regime militar. O Padre foi encontrado morto e castrado na Cidade Universitária de Recife, com marcas de espancamento, queimaduras de cigarro, cortes pelo corpo e ferimento acarretado por arma de fogo; foi aberto inquérito no Tribunal de Justiça de Pernambuco, segundo o qual teria ficado comprovada a participação de membros do CCC daquela cidade na morte do clérigo.
Na década de 1960, a organização foi composta também por policiais do Departamento de Orem Política e Social-DOPS e liderada pelos seguintes indivíduos:
· João Marcos Monteiro Flaquer, estudante de Direito da Faculdade de Direito do Largo de São Francisco-SP, que, depois de formado, seguiu carreira na advocacia. Chefiou o CCC nos anos de 1960; foi quem comandou a invasão da peça “Roda Viva”, em julho de 1968, no Teatro Ruth Escobar. Entre 1969 e 1971, foi oficial-de-gabinete do então Ministro da Justiça Alfredo Buzaid; faleceu no dia 24 de abril de 1999, em Monte Verde-MG.
· Raul Nogueira de Lima (Raul Careca) era policial investigador do DOPS e do DOI-CODI (reconhecido torturador) e também esteve no ataque ao espetáculo “Roda Viva” e à USP; assassinou o estudante secundarista José Carlos Guimarães, morto durante a “Batalha da Maria Antônia”. No dia 28 de janeiro de 1969, chefiou a invasão à casa de Marco Antônio Brás de Carvalho, dirigente da Aliança Libertadora Nacional-ALN, eliminando-o com vários tiros desfechados à queima-roupa pelas costas.
· Cássio Scatena, um dos quatro alunos da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo que agrediram os artistas do espetáculo “Roda Viva”; advogado, no dia 11 de outubro de 1978, assassinou o operário Nélson Pereira de Jesus, na porta da Metalúrgica Alfa, em São Paulo, por reclamação salarial.
· João Parisi Filho, estudante da Universidade Presbiteriana Mackenzie, agia com violência; infiltrava-se como militante no movimento estudantil e utilizava os apartamentos 109, 110 e 111 do bloco G do Conjunto Residencial da USP-CRUSP como uma “delegacia informal”.
No início de 1970, o CCC praticamente cessou suas atividades, porém voltou a agir em 1975, para responder às manifestações de protestos pelo assassinato do jornalista Vladimir Herzog nas dependências da Operação Bandeirantes (DOI-CODI de São Paulo), visando, em especial, as entidades estudantis e os jornais da imprensa alternativa, praticando atentados em Minas Gerais contra o Diretório Central de Estudantes da Universidade Federal de Minas Gerais-UFMG e, em São Paulo, contra o Centro Acadêmico das faculdades de Física e Matemática da USP. Os escritórios dos semanários “Em Tempo” e “De Fato”, em Belo Horizonte, também sofreram atentados.
Em 28 de novembro de 1977, em São Paulo, na USP, as sedes do DA de Filosofia e Letras, Leão XIII, do CA de Ciências Sociais e Serviço Social, CA 22 de Agosto, e do DCE foram dilapidadas (portas foram derrubadas a pontapés, gavetas foram arrancadas das mesas e seu conteúdo jogado no chão, em diversas salas de aula foi pichada a sigla CCC-Comando de Caça aos Comunistas). A biblioteca também foi totalmente invadida e seus frequentadores expulsos aos gritos e sob ameaça de cassetetes, os policiais do CCC atiraram várias obras no chão, usaram de
violência e, usando palavrões, prenderam todos os alunos nas salas de aula, algumas vezes praticando-lhes espancamentos.
Em 11 de outubro de 1978, o CCC assassinou um operário na porta da Metalúrgica Alfa, em São Paulo, e a fábrica entrou em greve como forma de protesto; em 7 de novembro de 1986, o júri condenou o assassino, o industrial e membro do CCC Cássio Scatena, a treze anos de reclusão, todavia, em 25 de novembro de 1987, o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo anulou o julgamento. Ainda no final da década de 1970, o grupo voltou-se contra os movimentos pela anistia e contra os integrantes da Igreja Católica que atuavam em defesa dos mais pobres e com discursos considerados de esquerda por defenderem os direitos humanos; sequestrou o Bispo de Nova Iguaçu, Dom Adriano Hipólito, que foi agredido e abandonado nu, em um matagal em Jacarepaguá-RJ, com o corpo pintado com tinta vermelha.
Nos anos de 1980, época em que a Ditadura Militar já dava sinais de enfraquecimento, o CCC voltou à ativa: incendiou bancas de jornal, espancou religiosos e atentou contra instituições como a Ordem dos Advogados do Brasil-OAB e a ABI.
Atualmente, o Comando de Caça aos Comunistas tem sido comandado por um assessor parlamentar do Senado, que atua como espião, viajando a Estados brasileiros governados por partidos de esquerda para preparar dossiês de “infiltrados e comunistas” nos órgãos federais. O CCC defende o trabalho infantil, o ex-juiz Sérgio Moro, o Procurador Deltan Dalagnol, a política externa de Donald Trump para a América Latina, ataca Lula e os petistas, é contrário ao Foro de São Paulo e postula a regionalização da Operação Lava-Jato.
Cruzeiro-DF, 8 de março de 2020
SALIN SIDDARTHA