Há quatro anos, a repórter Cristina Tardáguila especializou-se em checar os fatos ditos por políticos e personalidades. Fundadora da Agência Lupa, ela passa um pente-fino nas falas das autoridades. Dessa rotina diária, veio a ideia de escrever sobre as mentiras contadas pelos presidentes brasileiros. Como, infelizmente mostra nossa história, a atividade seria hercúlea: portanto Chico Otávio, jornalista de O Globo, entrou no time.
Juntos, os dois apresentam a obra Você Foi Enganada (Ed. Intrínseca): um apanhando jornalístico das principais mentiras contadas pelos chefes do Poder Executivo. Depois de extensa pesquisa na Biblioteca Nacional e no acervo dos principais jornais e revistas do Brasil, os autores decidiram iniciar o mapeamento dos “caôs” em 1921 – no famoso episódio das cartas falsamente atribuídas a Arthur Bernardes.
Dai em diante, todos os principais personagens políticos da nossa nação passam por uma revisão, ao longo das 288 páginas. Os generais da ditadura, Sarney, Collor, Lula, Dilma e Temer: todos mentiram em algum momento.
Com apoio do historiador Carlos fico, do ex-ombudsman da Folha de S.Paulo Mario Magalhães e do veterano jornalista Elio Gaspari, selecionaram um frase mentirosa de cada presidente. “A partir desse comentário, a gente contextualiza, mostrando como era a situação à época e os desdobramentos da declaração falsa”.
Autora de Você Foi Enganado diz: “Mentira é universal na política”
Autora de Você Foi Enganado diz: “Mentira é universal na política”
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Collor. Em dezembro de 1989, durante entrevista para a televisão, o então candidato afirmou que nao “tocaria nas poupanças”. “A gente conta no livro que, nessa época, ele já tinha conversado sobre esse assunto e tinha se convencido da necessidade dessa medida”, revela Cristina Rafaela Felicciano/Metrópoles
FHC. Em junho de 1998, o presidente garantiu que não iria desvalorizar o real perante o dólar. No entanto, por conta da cise com os tigres asiáticos, a medida foi tomada em janeiro, dias após a posse no segundo mandato. Rafaela Felicciano/Metrópoles
Lula, em junho de 2002, falou: “Se ganharmos a eleição, parte da corrupção desparece no primeiro semestre”. Três anos depois, o então deputado Roberto Jefferson (PTB) revelou o escândalo do mensalão Rafaela Felicciano/Metrópoles
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Dilma, na campanha de 2014, durante embate com Marina Silva, delarou: “Eu não tenho banqueiro me apoiando e me sustentando”. Ao tomar posse no segundo mandanto, ela anunciou Joaquim Levy, que trabalhara no Bradesco, para o Ministério da Fazenda. “Em termos de doação, por exemplo, ela tinha mais dinheiro oriundo de ‘banqueiros’ que a soma de Marina e Aécio”, mostra Cristina Rafaela Felicciano/Metrópoles
Temer, em agosto de 2015: “Tenho dito e repetido, ao longo do tempo, que qualquer possibilidade de impeachement será impensável”. Meses depois, ele apresentou a famosa carta a Dilma Rousseff Rafaela Felicciano/Metrópoles
Várias mentiras
A história recente da jovem democracia brasileira é carregada desses episódios. Em junho de 1998, durante campanha pela reeleição, Fernando Henrique Cardoso garantiu: “Não vamos desvalorizar moeda nenhuma”. Em 13 de janeiro de 1999, poucos dias após a posse no segundo mandato, o político implementou a disparidade entre o dólar e o real, afetando a vida de diversos investidores brasileiros.
Cristina explica que o livro surge, em meio ao cenário eleitoral de 2018, como uma forma de alertar sobre essa “normalização” da mentira na política. “Escolhemos uma falsidade com potencial de acontecer novamente. Não podemos ir mais tão ingênuos às urnas”, reforça.
Se a mentira está tão impregnada na política, o que fazer? A dica dos autores é não repetir os mesmo erros. “Esse livro não é desalento, não significa desistir de votar. A gente só precisa olhar pra trás e apender com as experiências negativas. É necessário reforçar o olhar questionador”, pontua Cristina.