O BOLSONARISMO PODE SER CONSIDERADO NEOFASCISTA?
Salin Siddartha
A maioria dos apoiadores de Bolsonaro não é neofascista, porém reforça uma identidade violenta, intolerante e autoritária; são pessoas que querem resolver de forma agressiva problemas que têm origem econômica. É natural: é um tipo de populismo formado, geralmente, por pessoas intelectualmente limitadas, que se apresentam como moralistas ou falso-moralistas, evocadoras do punitivismo (“bandido bom é bandido morto”).
O bolsonarismo tem menos a ver com critérios ideológicos convencionais do que com respostas fáceis que ele oferece às camadas sociais médias e de baixa renda para o sentimento generalizado de insegurança. Despreza a democracia representativa e a instância partidária, é anti-intelectual, de índole reacionária e têmpera para a sublevação, manipula ressentimentos e atua sob o estímulo de uma campanha eleitoral permanente e da alteração constante em prol de um projeto autoritário de poder, cujo êxito depende da depredação crescente das instituições republicanas sem, entretanto, dispensar a legitimação eleitoral.
Ele desqualifica a independência institucional e, ao mesmo tempo, precisa da normalidade democrática para fortalecer uma imagem popular (contudo é interventor, centralizador e intimidador). Necessita de um aparato democrático para enredar e subordinar tudo o que possa ser autônomo e ameaçador aos seus ímpetos políticos. É antipetista, em geral homofóbico, racista, xenófobo, agressivo, favorável à tortura, armamentista e repressivo. Hostiliza o jornalismo, julga os jornalistas inimigos estratégicos e investe nas redes sociais. Aliás, a força bolsonarista só se exerce plenamente por meio da manipulação das mídias sociais.
Foca-se no capital financeiro internacional e é politicamente alinhado com os Estados Unidos da América, excetuando-se desse foco e alinhamento os caminhoneiros, grande parte dos militares, os socialmente excluídos e os precarizados que o constituem. Apesar de todas as tendências que o compõem expressar intolerância, optar pela violência para solucionar os problemas sociais, zombar dos preceitos democráticos e manter adesão ao machismo, o bolsonarismo não possui projeto estratégico comum a todas as suas alas, nem vínculos orgânicos de militantes estruturados em um padrão hierárquico. Não tem corporações sindicais ou entidades da sociedade civil que atuem como correias de transmissão na sociedade, carece de consistência e tende a ser rejeitado pelos seus próprios partícipes.
Produto de hipnose coletiva de táticas de confronto e histeria, esse movimento político se articula nas redes sociais por intermédio dos chamados “bolsominions”, milicianos das redes sociais que possuem as seguintes identificações:
1. É um grupo de fãs de Bolsonaro majoritariamente formado por um público masculino acima de 30 anos de idade que atribui a Jair Bolsonaro o papel de “salvador da pátria” e o chama de “Mito”.
2. Têm entre 15 e 30 moderadores nos grandes grupos atuantes nas redes sociais, responsáveis por manter uma certa ordem e fazer as regras serem cumpridas.
3. Trazem uma grande quantidade de perfis falsos, inclusive entre os moderadores.
4. Não se reúnem presencialmente, mas virtualmente – canalizam suas forças e atacam.
5. Mantêm vigilância constante de temas considerados progressistas.
6. Repercutem notícia mentirosa, postam links de sites e blogs suspeitos, com conteúdos categorizados como disseminadores de “fake news”.
7. Simplificam as coisas a partir de comentários superficiais, sem profundidade e ofensivos, nas redes sociais.
8. Não mantêm diálogo interno nem debate, cada um faz seu próprio comentário, sem ler o anterior e sem esperar resposta, como se a rede social fosse um grande mural de recados, e não um fórum de debates.
9. Chamam seus membros para comentar em páginas de esquerda e direita, em portais de notícias ou em qualquer lugar da Internet em que estejam falando algo contra o que eles acreditam.
10. Mantêm cautela e atenção antes de opinar sobre um assunto que possa impactar quem eles apoiam e atingir diretamente suas convicções.
11. Difundem pautas matizadas, como a militarização dos colégios e liberação do porte de armas.
12. Entendem que há um complô midiático para derrotar Bolsonaro.
13. Aprovam um golpe militar.
14. Atacam as diferenças de grupos que elegem como rivais.
15. São direitistas ou ultradireitistas.
16. Discriminam esquerdistas, tratando-os como se fossem molestos, psicopatas.
17. Classificam como esquerdistas quem discorda deles.
18. Advogam a opinião de que a Rede Globo é de esquerda.
19. Chamam de petista, comunista e esquerdopata quem não se coaduna com as opiniões de Jair Bolsonaro ou quem não acredita que a intervenção militar seja o melhor acontecimento para o Brasil.
20. Referem-se agressivamente a homossexuais, negros e feministas.
21. Acham que gays e transexuais não deveriam viver.
22. Usam muito a expressão “vamos lá oprimir”.
23. Utilizam xingamentos e palavras de baixo calão.
No bolsonarismo, também há tendências neofascistas e militaristas; entrementes, seus membros diferenciam-se, eleitoralmente, em três tipos:
1. Os ricos que preferem um projeto autoritário contra a “corrupção”, mas veem no antipetismo uma conveniência para justificar velhos preconceitos de classe.
2. Os pobres de baixa instrução, dominados pela igreja.
3. Os precariados, que se situam entre os ricos e os pobres (são taxistas, vendedores do comércio, microempresários revoltados com o sistema político frouxo). Muitos deles são fanáticos prestes a cometer vingança contra os esquerdistas, negros, LGBTs e feministas (tidos por eles como “culpados” pela deterioração do mundo).
O bolsonarismo amalgama os seguintes principais projetos que requerem políticas públicas diferentes:
1. A proposta do economista Paulo Guedes, continuadora da agenda de ajustes econômicos do ex-Presidente Michel Temer, que impõe um programa de “austeridade”, com privatizações, cortes de gastos públicos e reformas para desonerar a economia.
2. A proposta de uma política de costumes do ex-juiz Sérgio Moro de tentar acabar com a corrupção política e o conluio entre capital privado das empreiteiras nacionais e gestores públicos, bem como com a redução das taxas de homicídio.
3. A junção da proposta dos ultraconservadores de direita com a do núcleo militar.
Cruzeiro-DF, 1º de novembro de 2019
SALIN SIDDARTHA