AS CHUTEIRAS DE MARTA

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AS CHUTEIRAS DE MARTA

Salin Siddartha

Na última Copa do Mundo de Futebol Feminino, a jogadora Marta, após marcar um gol, surpreendeu a todos ao apontar para as chuteiras sem publicidade estampada, como um ícone que representa a igualdade de gênero no esporte. Além disso, recusou todos os patrocínios oferecidos, por considerar injustas as propostas feitas, se comparadas às dos jogadores do futebol masculino. E chamou a atenção dos veículos de mídia e as empresas e instituições esportivas para a grande diferença que podem fazer para a valorização das mulheres no esporte.

Nitidamente, uma das demandas atuais no desporto reside na luta pela igualdade de oportunidades das mulheres e demais diversidades em relação aos homens. Sem dúvida, essa situação representa a luta pelo acesso igualitário a atividades tradicionalmente masculinas, bem como por ocupar lugares em instâncias de decisão na estrutura de governança e gerenciamento das associações desportivas sob a premissa da paridade de gênero.

Conquanto o meio desportivo tradicionalmente dificulte o desempenho feminino, a mulher tem demonstrado que, apesar de todos os empecilhos, ela consegue conquistar espaços, superando dificuldades. A inserção de uma política de gênero na prática desportiva é uma forma de reconhecimento e correção de direitos que são negados à mulher ao longo da História.

É necessário que se promovam novas ferramentas que consagrem, efetivamente, o empoderamento de direitos a partir de uma ótica de gênero no desporto. Por esse motivo, e atento à omissão da legislação existente com relação à política de gênero no desporto, resulta imprescindível utilizar instrumentos atualizados de gestão que contemplem a todos os setores que interagem no desporto. Não resta dúvida de que é necessário continuar avançando na luta pela igualdade de gênero, instaurando-a também na atividade desportiva, pois só teremos uma sociedade realmente justa e solidária se assegurarmos o respeito aos direitos de todos, mulheres e homens, porque qualquer forma de discriminação, sob qualquer pretexto, significa, de fato, um entrave à construção de um mundo melhor.

Desse modo, urge superar obstáculos políticos e institucionais, visando eliminar ou compensar certas barreiras sociais; especificamente, com ações que se orientem para eliminar condutas discriminatórias de toda espécie praticadas nos âmbitos desportivos, assim como as que impliquem situações desiguais entre atletas. Nesse contexto, resulta transcendente manifestar que o empoderamento em pauta deve apoiar-se em três conceitos: igualdade, equidade e paridade de gênero.

Tais conceitos estão em acordo com o art. 5º da Constituição Federal, que consagra:

“Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza (…)”

Assim, há de se destacar que a prática desportiva das mulheres é uma forma de buscar a visibilidade feminina como protagonista na luta pelo equilíbrio dos direitos sociais.

A igualdade é o direito inerente a todos os seres humanos de serem reconhecidos como iguais perante a lei, sem discriminação de gênero; e o conceito de paridade está relacionado com a correção da falta de representatividade das mulheres na esfera pública. A equidade vai além da igualdade, já que articula tanto os direitos individuais quanto a justiça social, levando em conta as condições em que se dão as competições e as necessidades específicas e diferenciadas das mulheres, de forma tal que a igualdade de condições e oportunidades possam ser efetivas, e não limitadas a condições androcêntricas.

Dessa forma, para que seja alcançado o equilíbrio nos direitos almejados pelas mulheres no desporto, é imprescindível a procura por ações afirmativas. Então, a equidade de gênero implica que as necessidades, as preferências e interesses das mulheres e homens sejam tomados por igual; como consequência do conceito de equidade, afirma-se a equiparação de responsabilidades, direitos e oportunidades. Com a criação de incentivos, apoio e visibilidade, haverá mais equidade nas relações de empoderamento, possibilitando a mulheres e homens, seja no âmbito da participação, seja na gestão e administração, garantir o reconhecimento dos direitos da mulher como cidadã.

Entre as medidas de ação específica a serem contempladas, visando ao amparo de uma correta política de gênero no desporto, destacam-se como urgentes a criação de um programa de igualdade de gênero no desporto, uma unidade executora de políticas de gênero e o estabelecimento de um regime de paridade progressiva na integração e gerenciamento das associações desportivas. Cabe destacar que por empoderamento das mulheres se entenda o processo pelo qual as pessoas do gênero feminino, em um contexto para elas desvantajoso devido às barreiras estruturais, adquirem ou reforçam suas capacidades, estratégias e protagonismo, tanto no plano individual como no coletivo, para alcançar um modo de vida no qual possam participar, em condições de igualdade, do acesso aos recursos, reconhecimento e tomada de decisões em todas as esferas da vida pessoal e social.

Em nossa periferia urbana, tal empoderamento se traduz na possibilidade de a mulher ascender a melhores chances de vida, resultando ser o desporto um meio para atingir esse objetivo. Também se destacam as políticas diretivas de igualdade no desporto, executadas a partir da produtividade, como reforço positivo, sob uma ótica de execução e cumprimento progressivo, que permita às entidades irem adequando seus estatutos sociais, como normas ordenadoras de igualdade e paridade para aumentar a quantidade de mulheres presentes nas instâncias diretivas e nos cargos de representação.

Além disso, é necessário considerar o desenvolvimento de atividades específicas para a mulher em distintos âmbitos esportivos, valorizando clubes, entidades, ligas e comitês que integram o Sistema Nacional de Desporto e suas correspondentes associações, federações e confederações, particularmente por meio de uma gestão participativa e inclusiva e, dessa maneira, buscar desenvolver um modelo de inserção no desporto onde todos os setores estejam representados, merecendo reconhecimento especial os setores envolvidos no desporto de gênero.

Sem dar margem a dúvidas, é indispensável que, ante a repercussão do desporto como espetáculo, os meios de comunicação devam mudar seu paradigma, passando a ser mais equitativos na quantidade de notícias produzidas e, sobretudo, em sua qualidade (que mudem o tratamento dado às mulheres desportistas, incluindo notícias acerca de suas conquistas, em vez de mostrá-las como modelos de estética feminina, e renunciem à manipulação da imagem de seus corpos). Em suma, que parem de transmitir a ideia machista de que o desporto seja coisa apenas para homens. Quanto maior seja a participação das mulheres no desporto, maior visibilidade terão as disparidades de gênero.

A procura de novas regras de igualdade e paridade vem se multiplicando no mundo inteiro – cabe aqui citar o exemplo da Federação Europeia de Hockey, que lançou a “Carta pela Igualdade de Gênero” para assegurar que todo o mundo, em todos os níveis, desde o vestiário até o campo e a quadra, tenha acesso às mesmas oportunidades, independentemente de gênero, idade, carreira, religião ou nível de escolaridade.

Com base nesse entendimento, o desporto, como instrumento de transformação social, é um elo importante no entrelaçamento comunitário, por intermédio do qual o empoderamento contribui não só para formar e capacitar as mulheres, mas também para interagir com outros atores do desporto, como, por exemplo, desde o empreendedorismo para formar empresas inovadoras e/ou de base tecnológica que contribuam com o desenvolvimento local e regional do desporto em sua vinculação de gênero. Importa, então, um sistema integral que proporcione um instrumental necessário para garantir a perspectiva e o ponto de partida de uma política pública desportiva que respeite os princípios de igualdade, equidade e paridade.

Por essa causa é que deve existir um compromisso pleno de trabalhar por um desporto inclusivo, participativo e plural, sem óbices a respeito de gênero. Afinal, o desporto é um instrumento comunitário que também serve para a abordagem e erradicação da violência de gênero.

Cruzeiro-DF, 25 de maio de 2020

SALIN SIDDARTHA

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