A BICICLETA COMO ALTERNATIVA PARA O SISTEMA VIÁRIO BRASILIENSE
Salin Siddartha
Como uma das soluções possíveis para diminuir a poluição no Distrito Federal, a bicicleta tem sido um modo de transporte eficiente e popular, desde o século XIX, entre a maioria das nações. O custo barato de aquisição e manutenção é seu principal atrativo e caracteriza-se como a forma de transporte urbano mais barata e sustentável do planeta, acessível para, praticamente, todas as classes sociais. Além disso, possui outros atrativos, como não produzir barulho, não poluir o meio ambiente, preservar os espaços públicos e não provocar os incômodos que caracterizam a utilização dos veículos motorizados em áreas urbanas.
A bicicleta possui alta flexibilidade, especialmente em situações de congestionamento de tráfego. É um meio de transporte e um instrumento de lazer que contribui para a melhoria da saúde dos usuários e exige modestas infraestruturas para circulação e estacionamento. Não consome petróleo e produz muito menos sucata de metais, plástico e borracha, tem manutenção barata e não paga seguro nem impostos, exceto os que estão embutidos no momento da compra – e é fácil de carregar, pois pesa cerca de 10 quilos, embora possa suportar cargas de até 100 quilos.
Com a bicicleta, uma pessoa pode locomover-se normalmente à velocidade de 16 a 20 km/h, o que nunca conseguiria andando a pé. O automóvel gasta três vezes mais tempo e espaço para transportar o mesmo número de pessoas na área urbana durante os horários de pico, em trechos de até 8 km, quando se compara à bicicleta. E o automóvel utiliza até 20 vezes mais espaço físico para estacionar. Trocando-se um carro por uma bicicleta, colabora-se para diminuir os problemas de trânsito e de poluição que atingem todas as cidades da Capital. Além disso, o usuário da bicicleta pode ter como vantagens diretas a economia com a saúde – médico, remédios e tempo – e com os automóveis – com a compra, taxas, impostos e manutenção.
A bicicleta como meio de transporte não foi considerada na concepção urbanística original do DF, portanto não há espaço adequado para ela. Com os constantes problemas de mobilidade no Distrito Federal e um trânsito congestionado pelo excessivo número de carros, uma das soluções imediatas e de baixo custo para a Capital é criar-se uma política de estímulo ao uso da bicicleta como modo de transporte, já que a criação de espaço adequado para a prática ciclista, por si só, estimula o uso e aumenta a demanda.
Para isso, será preciso aumentar significativamente o número de ciclovias e desenvolver uma gestão de regulação e de informação, com o intuito de criar-se uma cultura local da bicicleta como forma de transporte. Há um bom tempo, o brasiliense vem aumentando a sua preferência pelas bicicletas durante a semana, principalmente como transporte para o trabalho, escola e outras atividades (algumas categorias profissionais, tradicionalmente, utilizam a bicicleta como meio de transporte, a exemplo dos entregadores e dos trabalhadores da construção civil).
A oferta de ciclovias e de ciclofaixas é de 0,20% do sistema viário urbano brasiliense, assim como a oferta de estacionamentos especiais para bicicletas também é extremamente pequena. É necessário criar mais ciclovias, com mais bicicletários, pavimentadas e sinalizadas, integradas com o transporte público urbano, que interliguem todas as cidades da Capital, ajudando a desafogar o trânsito irracional de Brasília, tornando a cidade mais agradável e limpa; entretanto a ciclovia deve ser alimentada de ciclistas, senão é gasto inútil. O interessante é que o ciclista consiga acessar a ciclovia pedalando por caminhos seguros que liguem bairros a grandes terminais de integração.
A forma técnica mais eficiente para diminuir o alto índice de acidentes envolvendo ciclistas em cruzamentos é mediante sinalização vertical, horizontal e semafórica, e de pequenas canalizações para bicicletas, quando necessárias. Seria interessante popularizar uma cartilha da bicicleta, contendo informações úteis aos ciclistas para garantir sua segurança e a dos outros usuários das vias públicas.
O número diário de viagens realizadas por meio de bicicleta na Capital ultrapassa os 40 mil, e cerca de 430 mil pessoas andam de bicicleta no DF – o número representa quase 34,2% da frota de veículos que circula pelas vias –, apesar disso, a atividade oferece riscos pela falta de infraestrutura para a utilização da bicicleta como meio de transporte. Torna-se necessária a proposição de políticas públicas que regulamentem o seu uso e a implantação de uma infraestrutura capaz de integrar a bicicleta ao sistema de transporte urbano. Devem ser levadas a cabo ações educativas que visem a uma mudança de cultura quanto à inserção da bicicleta no contexto atual.
A discriminação e desigualdade social, bem como os interesses das classes dominantes e do grande capital, causam uma visão falsa da bicicleta como um estorvo no trânsito e reprimem o investimento do Estado nos meios de transporte não-motorizados. Assim, uma cultura social adversa ao que não é motorizado produz o preconceito à criação de qualquer infraestrutura ciclística. Atualmente, mesmo que alguém decida utilizar uma bicicleta para fazer seu transporte diário, vai ter muita dificuldade. Enfrentará um trânsito caótico com muitos motoristas mal educados, perceberá que praticamente não existem ciclovias no seu trajeto, não encontrará lugar adequado para estacionar a bicicleta, e, aos poucos, vai começar a perceber como o Governo deixa de lado esta solução tão simples e eficiente para um problema tão grave como o do transporte.
Tudo isso termina por traduzir-se numa resistência individual ao uso da bicicleta e à inércia do GDF, enquanto vários ciclistas morrem diariamente – nos últimos 15 anos, 545 ciclistas morreram em acidentes.
Existem pouquíssimos pontos de ciclovias no DF, e os ciclistas têm que optar entre ficar na calçada ou se arriscar ao lado dos carros. Mesmo assim, as quadras que têm ciclovias não são adequadas para a demanda nem seguem os padrões técnicos exigidos. O sistema cicloviário não deve ser construído ao lado das antigas calçadas, caso contrário, passará a ser utilizado indevidamente por pedestres, com seus cães e carrinhos de criança. Importante frisar que, se não
houver calçadas decentes para os pedestres caminharem nas adjacências das ciclovias, eles utilizarão o ciclo-espaço para caminhada, atrapalhando o fluxo das bicicletas.
Ao se locomover com bicicleta, a separação entre o cidadão e o meio não pode ser quebrada, mas deve ocorrer de forma contínua, e não pontual, com espaços cegos no meio, visto que a interatividade entre o cidadão e o meio deve ser maior para o ciclista, ao contrário do que ocorre com os transportes motorizados. Isso leva a concluir que as ciclovias de canteiro central em avenidas são questionáveis em termos de proteção para o ciclista, porque faz com que ele cruze uma via de trânsito intenso para alcançar sua segurança, o que constitui um contrassenso. Embora essas travessias possam ser feitas junto às faixas de pedestres, isso pode criar problemas tanto para passantes como para o próprio ciclista. Para piorar, o governo do DF não mostra agilidade ou interesse para zelar, a contento, pelos 466,6 quilômetros de vias ciclísticas existentes no Distrito Federal.
A ciclovia deve ser considerada uma obra de primeira necessidade para evitar mortes envolvendo ciclistas, pois pedalar pelas ruas da Capital da República é perigoso (95% dos acidentes envolvendo ciclistas nesta cidade acontecem em cruzamentos, e mais da metade das mortes deles é resultado de colisão frontal). A ciclovia não só melhora a vida dos ciclistas que disputam as pistas com veículos motorizados, mas também diminui o número de fatalidades relacionadas a esse tipo de transporte. Seria bom, principalmente, para o ciclista trabalhador, porque é o que anda mais desprotegido e é o que mais precisa da bicicleta como meio de transporte. Também não adianta fazer uma ciclovia ligando o nada ao lugar nenhum: é preciso criar trajetos objetivos para o ciclista que se integrem, planejadamente, na malha viária do Distrito Federal, com o ônibus, o metrô, os VLs e o trem. Para tanto, os ciclistas teriam que ter a possibilidade de transportar suas bicicletas, em um compartimento dos ônibus, vagões de metrô, VLs ou trens. O problema é que, uma vez criada a ciclovia, onde colocar as vagas de estacionamento que desaparecerão com o espaço ganho pela faixa de bicicletas?
É preciso que os projetos e implantações das ciclovias sejam avaliados pelo Departamento de Trânsito do Distrito Federal – DETRAN-DF com relação às possíveis consequências das obras para o trânsito em geral. Também se devem levar em conta, na adoção de qualquer política cicloviária, as manifestações participativas das associações de ciclistas, a fim de que sejam consultadas com relação aos pontos específicos de construção das ciclovias, principalmente no que tange ao aspecto da segurança. O trabalho em conjunto com o Ministério Público e o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional – IPHAN, num processo integrado de discussão e projeção, revela-se sobremaneira necessário para que as características tombadas da cidade não venham a ser desfiguradas.
Cruzeiro-DF, 18 de outubro de 2020
SALIN SIDDARTHA