A LITERATURA BARROCA

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Salin Siddartha

O movimento Barroco deu-se na Europa a partir de 1580. A situação europeia fracionava-se em cisões que dividiam religiosamente suas nações entre protestantismo e catolicismo. À reforma luterana sucedeu-se a Contrarreforma com seus dogmas reacionários a todas as formas de divergências católicas que descongregassem o centralismo papal. Portugal passou, a partir de 1580, a ser dominado pela Espanha, ficando com vida cultural dependente deste país. As artes portuguesas passaram a imitar as artes espanholas. Na Espanha, dois escritores mobilizaram as atenções portuguesas: Quevedo e Luís de Gôngora.

Imitando a literatura espanhola, a literatura portuguesa inseriu-se no rol da literatura barroca, consequentemente exportando para a grande província ultramarina brasileira seu modelo literário. Aqui chegando no ano de 1601, por meio do poema “Prosopopeia” de Bento Teixeira, o Barroco logo conseguiu várias adesões.

A literatura barroca ressente-se de condições temáticas altamente conflitantes entre o antropocentrismo e o teocentrismo. Antropocentrismo foi a temática literária muito em voga durante o Classicismo quinhentista, que tinha por base a centralização da realidade das coisas no homem, ser para o qual tinha sido concebida a natureza e que todos os meios tinham a ele como fim; no antropocentrismo, valorizava-se a vida terrena como uma dádiva a ser aproveitada. Mas o teocentrismo era a temática visada pelo Barroco, numa revalorização dos ideais divinos retomados da Idade Média; para tal posição temática, a vida terrena de nada valia e a própria existência humana era motivo de vergonha, devendo o homem entregar-se de corpo e alma aos ideais religiosos do catolicismo a fim de alcançar os galardões do céu.

A literatura barroca brasileira corporifica dois métodos estilísticos: o conceptismo (conceitismo) e o cultismo. O conceptismo visava à descrição das coisas mediante indagações que definissem o que era o fato descrito – guiava-se pela pergunta O QUÊ É?. O cultismo visava à descrição das coisas de forma a frisar como era o fato descrito – guiava-se pela pergunta COMO É?. Portanto o conceptismo era objetivo e substancial, o cultismo era subjetivo e valorizador.

Nesses conflitos temáticos teremos uma atitude em que abundam os dualismos constantes entre paganismo X cristianismo, entre espírito X matéria, fazendo a época barroca, que no Brasil iria durar até 1756, algo pessimista com sua literatura de dúvidas. Em face de um catolicismo repressivo e punitivo da época, valorizar-se-á o misticismo e o sobrenatural, que faz o homem, nas suas dúvidas, voltar-se para Deus.

Na necessidade de ideais divinos para justificativas de atitudes de vida, predominou a imaginação e o subjetivismo literário. Assim, o dualismo, ao mesmo tempo que gerou a contradição entre os lados opostos, realizou uma tentativa de conciliação entre as partes contraditórias, que caracterizou o fusionismo que correspondeu estilisticamente

às antíteses. Tendo um estilo rebuscado e saltado para a exuberância de formas de linguagem, nas quais figuraram uma escolha minuciosa de palavras belas e longas, o Barroco utiliza-se constantemente de metáforas, personificações, gradações, hipérboles, anáforas. E essas figuras de linguagem serviram a uma arte literária desequilibrada e exuberante, possuidora de violentos dinamismos em que o escritor se fechava para recolher-se a uma áurea mística que retratava sua ânsia de infinito proveniente do desejo de saber a verdade das coisas, da existência, de suas origens, que o levavam a expressar uma sensação de instabilidade existencial.

Destacaram-se como escritores do Barroco brasileiro o Padre Antônio Vieira e o poeta Gregório de Matos Guerra.

O Padre Antônio Vieira destacou-se literariamente sobretudo nos “Sermões”, nos quais prima por uma retórica brilhante, havendo mesmo quem o considere o maior orador já aparecido em língua portuguesa; conceptista em suas análises, faz uso de hipérboles, metáforas, antíteses, gradações vocabulares, animizações, jogos de palavras. Suas principais obras foram “Sermões”, “Cartas”, “A Chave dos Profetas” e “Portugal Restaurado”.

Gregório de Matos era um poeta irrequieto que colocava em grande parte de suas poesias um tom apimentado de ironias e picardias críticas da situação política, religiosa e moral da sociedade baiana da época. Mas nem só de poesia satírica viveu Gregório de Matos, dedicando-se também aos estilos lírico-amorosos e lírico-religiosos. Suas poesias sugerem, até hoje, controvérsia no que tange à autenticidade, pois não se conhece o autógrafo de Gregório de Matos e, das cerca de quatrocentas poesias a ele atribuídas, tratam-se todas de cópias feitas durante o decorrer dos anos posteriores à sua morte. É o primeiro poeta brasileiro a utilizar uma linguagem popular brasileira e uma sintaxe diferente da lusitana. Em suas obras acha-se abundância de jogos de ideias e de palavras que ora o caracterizam como conceptista, ora como cultista; em suas poesias líricas retratava, várias vezes, o encanto que lhe fazia sentir a presença de uma mulata; em seus estilos lírico-amorosos e lírico-religiosos está sempre presente o binômio culpa e arrependimento, certamente expresso como consciência crítica do uso do mundano e da sensualidade que utilizava em suas sátiras. Sua obra é plena de expressão de fuga das coisas do mundo, pois o poeta reflete sua preocupação pela aparência perecível das coisas terrenas, sendo sua poesia marcadamente pessimista.

Soneto

(Gregório de Matos)

A vós correndo vou, braços sagrados,

Nessa cruz sacrossanta descobertos,

Que para receber-me estais abertos,

E, por não castigar-me estais cravados

A vós, divinos olhos eclipsados

De tanto sangue e lágrimas abertos,

Pois, para perdoar-me, estais despertos,

E por não condenar-me, estais fechados.

A vós, pregados pés, por não deixar-me,

A vós, sangue vertido, para ungir-me.

A vós, cabeça baixa, para chamar-me.

A vós, lado patente, quero unir-me,

A vós, cravos preciosos, quero atar-me,

Para ficar unido, atado e firme.

Guará-DF, 6 de fevereiro de 2022

SALIN SIDDARTHA

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