Mesmo lotado e atrasado, transporte público é usado por 60% dos brasilienses

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Segundo um estudo divulgado pela Universidade de Brasília (UnB), nessa terça-feira (13/12), cerca de 60% da população do Distrito Federal utiliza transporte público para locomover-se. Apesar disso, e por mais um ano, o levantamento aponta o contínuo sofrimento gerado pelos altos custos das passagens e a situação precária dos coletivos, que pioram significativamente a qualidade de vida de quem tem de passar diversas horas do dia nos veículos.

A pesquisa, que ouviu cerca de mil pessoas em 23 regiões administrativas, aponta uma realidade ainda mais cruel ao detalhar o perfil dos usuários. Enquanto 34,1% dos mais ricos dizem utilizar ônibus ou metrô alguma vez, 50,9% dos mais pobres dependem deles para trabalhar, estudar ou para realizar qualquer outra atividade.

Ao Metrópoles a diarista Ana Maria Pereira, 39 anos, frequentadora assídua da Rodoviária do Plano Piloto, conta que além de perder cerca de 4h por dia nos ônibus devido a “rotina louca”, a longa viagem em pé a deixa “tão exausta”, que não sobra energia para qualquer outra atividade.

“O que não faltam são reclamações minhas em relação a transportes públicos. Infelizmente comprometo boa parte da minha renda com passagens, pois preciso trabalhar. E além da demora para passar, os transportes chegam lotados. São quase 2h em pé daqui [Rodoviaria] até a minha casa. O pobre não tem opção, né? Passo tanto tempo dentro dos coletivos que chego em casa e tenho apenas 1h para descansar ou ficar com os meus filhos. Não é fácil”, começou a mulher.

“Para piorar, se eu perder o horário, tanto para ir para o trabalho quanto para voltar para o meu lar, já era. Terei de esperar 1h a mais para o próximo ônibus. Isso quando não há paralisações, ônibus quebrados ou acontece algo como aquele quebra-quebra de bolsonaristas essa semana”, finalizou a mulher.

O ato mencionado por Ana Maria ocorreu na segunda-feira (12/12). Na ocasião, grupos bolsonaristas protagonizaram um verdadeiro cenário de guerra em Brasília. O vandalismo, que começou em frente à sede da Polícia Federal, espalhou-se por pontos da capital da República e culminou na suspensão da circulação de coletivos, já que muitos foram incendiados. Como consequência, paradas e rodoviárias ficaram lotadas com pessoas que dependem do transporte público para circular pelo DF.

Confira o relato de um usuário :

Jefferson Santana, 28 anos,  foi um dos afetados pelas consequências do vandalismo de grupos bolsonaristas. O morador de Planaltina disse à reportagem que saiu do trabalho por volta das 23h30 e seguiu em direção ao ponto de ônibus, na Asa Norte. Após esperar 2h, sem sinal de veículos, ele e colegas resolveram procurar a Rodoviária do Plano Piloto, em vão.

Desesperado e sem alternativa, o jovem ligou para a tia que, além de buscá-lo, deu carona a diversas pessoas que estavam no local. “Minha tia mora no Guará, eu, em Planaltina, e mesmo assim ela foi me buscar. Por ter o coração muito bom, ainda deu carona para outras pessoas. No caminho vi as paradas lotadas e o pessoal aflito. Tudo muito triste, pois as pessoas dependem do transporte público”, detalhou Jefferson.

“Acredito que tenha sido muita irresponsabilidade suspender todos os ônibus, né? Não pensaram nos trabalhadores e nos estudantes que precisam dos coletivos a noite. Apesar de ter sido um caso isolado, é um reflexo do que sempre acontece com quem não tem outra alternativa a não ser utilizar esses transportes no DF”, desabafou.

Além dos problemas causados por manifestações, reportagens jornalísticas registraram dezenas de paralisações de coletivos ao decorrer do ano. Problemas nos carros, falta de combustível ou pagamentos dos rodoviários foram algumas das causas que impediram a circulação dos veículos e atrasaram a vida dos brasilienses.

Alternativas

De acordo com o estudo da UnB, cerca de 51,9% dos mais ricos utilizam carro para tudo, enquanto apenas 14,2% dos mais pobres usam o automóvel especificamente para trabalhar. Diante da falta de ônibus, pessoas menos favorecidas acabam optando por transportes alternativos, como o pirata – às vezes mais caro e certamente menos seguro, para não chegarem atrasadas em seus compromissos.

Na pesquisa, a utilização desse tipo de transporte foi declarada por cerca de 20% dos moradores das regiões administrativas de baixa renda e 10% nas RAs de renda média e alta. Ou seja, a frequência é baixa, 1 a 3 vezes por mês, segundo o estudo, mas com um contingente expressivo entre os mais pobres.

Em um desses transportes piratas, inclusive, um jovem de 24 anos foi baleado no rosto ao reagir a um assalto, em setembro deste ano, próximo à Granja do Torto. Os criminosos teriam se passado por passageiros para roubar o celular de vítimas que entravam no transporte irregular. Ao ter o aparelho tomado, o jovem tentou recuperar o dispositivo, mas foi atingido por um disparo na face.

Outro caso que ganhou grande repercussão foi o da Letícia Curado. A jovem foi morta por Marinésio Olinto, que também fazia transporte pirata, em 23 de agosto de 2019, por volta das 8h, entre o Vale do Amanhecer e a DF-230. Segundo a polícia, o criminoso abordou a vítima em uma parada de ônibus e ofereceu carona. Quando ela estava dentro do carro, Marinésio tentou forçá-la a ter relações sexuais. Letícia recusou-se e reagiu. Marinésio, então, a esganou, matando-a asfixiada.

Segundo a família de ambos, moradores de regiões administrativas com menor poder aquisitivo, as vítimas optaram pelo transporte irregular devido à falta de circulação dos transportes públicos.


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Outros meios de locomoção

Dentre os modais privados de locomoção, além do carro, o estudo também apontou o uso dos tipos não motorizados, tais como: bicicleta e caminhada.

Segundo os dados, a maioria da população não usa bicicleta no DF – 77,2%. Quando usada, a maior frequência é nas regiões administrativas de renda mais baixa. Nessas RAs, 12,1% dos entrevistados declararam usar o transporte todos os dias. Essa proporção cai para 1,5% nas RAs de renda mais elevada.

Para os mais pobres, a bicicleta é usada para ir ao trabalho e para fazer compras. Entre os mais ricos, o objeto é usado apenas para atividade física e de lazer.

O caminhar é, também, bem mais frequente nas regiões administrativas de baixa renda. Cerca de 51,7% das pessoas nessas RAs caminham de 3 a 5 vezes por semana, porcentagem muito superior aos 36,3% que o fazem nas RAs de renda mais elevada.

O motivo para se caminhar é distinto entre os mais ricos e mais pobres. Nas RAs de renda baixa, uma das motivações principais para se caminhar é ir ao trabalho. Já nas regiões administrativas de renda alta, o caminhar é realizado sobretudo como uma atividade física.

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Desigualdade da Mobilidade Urbana no Distrito Federal

O estudo realizado pela Universidade de Brasília baseou-se em dados de pesquisas de opinião pública coletados em setembro de 2022, nas áreas urbanas do Distrito Federal, com o objetivo de mapear os padrões de mobilidade urbana da população.

Segundo o levantamento, cidadãos e cidadãs das RAs com menor renda, dependentes dos ônibus, têm acesso restrito à cidade devido às superlotações dos transportes, que passam com baixa frequência, ou pela falta de recurso para o uso de aplicativos.

Dessa forma, o estudo constatou que a mobilidade pela cidade é cerceada para os mais vulneráveis financeiramente. Em contrapartida, a movimentação pela região, em número de dias, é bem superior para quem mora em áreas ricas.

De acordo com o professor da UnB e pesquisador do ObservaDF Lúcio Rennó, as pessoas de baixo poder aquisitivo estão restritas em seu deslocamento a um eixo casa-trabalho e, ainda, limitadas a alguns dias da semana pela falta de ônibus, especialmente. Diferente dos mais ricos, que utilizam mais a cidade, principalmente em momentos de lazer.

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