POR UM NOVO MODELO ORGANIZACIONAL E GERENCIAL DA COISA PÚBLICA NO DF

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   Matéria escrita pelo colunista  SALIN SIDDARTHA

O caos urbano em que se transformou o DF é a expressão da sua balbúrdia econômica, política e social. Ao andar pela cidade, vê-se o abandono e o sem-sentido urbano e rural de toda a região e, para além dela, como consequência perversa, o seu Entorno largado.

A antiga belacap não estagnou, mas, como um câncer incontrolável, avança metastaticamente por todos os setores da geografia local, entumorada e sangrando pelas suas artérias expostas, caracterizada tal qual caricatura grotesca da outrora sonhada utopia de JK. A Capital Federal corre riscos de, se assim continuar, jazer, perder sua função, sua razão de ser.

Urge um pacto entre o setor público, o setor privado e a sociedade civil para uma redefinição que salve a cidade. E só o empoderamento das comunidades locais será capaz de ajustar políticas que redesenhem novas relações entre Estado e sociedade.

As elites políticas do DF precisam mudar seus viciados métodos políticos de governo. É preciso construir compartilhamentos com a sociedade para a gestão dos interesses públicos. Nesse aspecto, as noções de sociedade civil, participação e cidadania têm de manter entre si uma estreita relação na disputa política que venha a se travar no redesenho democrático da sociedade.

Só pela legitimação democrática dos meios participativos das comunidades será possível estancar o fluxo corrupto no DF, visto que somente uma maior participação direta da sociedade é capaz de atingir transversalmente a hegemonia oligarca estabelecida e oxigenar a transparência inibidora da corrupção. O clientelismo deve ser controlado pela própria sociedade, descentralizando o concentrado poder do GDF a partir dos sujeitos políticos inseridos na base das comunidades locais. O fortalecimento da sociedade civil para formular junto com o GDF políticas públicas é o caminho para o desenvolvimento social que beneficie a população.

Precisamos construir espaços coletivos de esperança a fim de recuperar a vontade social do brasiliense como elemento determinante do desenvolvimento, pois, do jeito como vai a autoestima da população, seus interesses e opiniões se manifestam cada vez mais como dados pré-políticos de perda de identidade sócio-histórica, de descrédito em seu papel protagônico, o que tem gerado uma cultura de descrença na política. Há que se mobilizar vontades para que a sociedade possa escolher o seu destino social e sua vocação histórica.

É uma questão de sensatez política promover uma racionalidade sistêmica comprometida com o bem-estar da população e com uma visão política que parta da ótica do cidadão. Para tanto, a criação de um equilíbrio democrático frente à centralização do poder pelas elites pode ser possibilitado pelo reforço do poder local desenvolvido com base em uma coalizão de forças estatais, empresariais e da sociedade civil, em âmbito local, exercida em um sistema híbrido de tomada de decisões para inserir novos atores sociais existentes na esfera local. Deve-se permitir maior participação dos cidadãos na formulação, implantação e monitoramento das políticas públicas, a fim de eliminar o clientelismo, advindo da concentração política desvinculada da comunidade.

Claro está que o desenvolvimento econômico e social do Distrito Federal somente será possível se o Estado puder contar com um governo eficaz. Por exemplo, é notável a falta de uma política de Segurança Pública que seja permanentemente aperfeiçoada e que tenha continuidade, com princípios, metas precisas, diretrizes e objetivos exatos. Daí porque um projeto de desenvolvimento econômico e social deve propor, em nível local, que se crie um Plano Diretor de Segurança Pública – não apenas como política de governo, mas como política de Estado –, e que contemple um policiamento realmente comunitário, ou seja, com a participação ativa da população no processo de decisão do combate à criminalidade.

Outra questão fundamental é adotar políticas de desenvolvimento sustentável, pois não é possível, no século XXI, conceber gestão pública que não priorize a defesa do meio ambiente. Uma política ambiental na Capital da República pressupõe a integração da Secretaria de Meio Ambiente e dos órgãos a ela vinculados com as Administrações Regionais, levando em conta a reciclagem e o manejo dos resíduos sólidos e hídricos. Que se dê às Administrações Regionais o papel de ente executor, planejador, controlador e fiscalizador do uso racional dos recursos ambientais locais, propiciando a preservação e melhoria da qualidade de vida da comunidade, mediante interação com os cidadãos de sua Região Administrativa.

É mister organizar ecologicamente o sistema de transporte coletivo, capacitando ambientalmente os profissionais que atuam na área, seja como motoristas, cobradores, supervisores, mecânicos: isso significa a evidencialização de uma nova cidadania, atenta para a emissão de CO² na atmosfera pela poluição despejada pelos veículos no DF; carece operacionalizar a bicicleta como alternativa não-poluente, com ciclovias pavimentadas e sinalizadas, integradas com o transporte urbano, interligando todos os bairros da Capital.

É verdade, sim, que haverá riscos inerentes à execução das potencialidades políticas, pertinentes, por exemplo, ao fato de o sistema político não conseguir mais responder às demandas da sociedade. Por isso, há que se elaborar estratégia e táticas para cenários alternativos e inimagináveis, definindo um modelo adequado para o gerenciamento do risco, bem como estabelecendo quais são os perigos do processo de decisão, com base em uma estimativa que resulte da avaliação do grau de incerteza dominante.

Também se necessita articular o processo produtivo urbano-rural que leve em conta a continuidade espacial entre a cidade e o campo, modernizando a sociedade nos espaços locais rurais com fundamento em crescente paridade social. Além disso, devem-se aplicar políticas que fortaleçam a agricultura familiar, para fixar o brasiliense no campo e estimular a geração de renda e produtividade agropastoril, já que é a economia familiar a verdadeira responsável por colocar a comida no prato do brasiliense.

Mas, para que o desenvolvimento rural seja realizado, é necessário um novo paradigma técnico-produtivo dirigido à sustentabilidade, com inovações tecnológicas e prática de agricultura ecológica. Para atingir esse objetivo, fazem-se necessárias novas regras que propiciem a participação de conselhos e organizações comunitárias, fortalecendo uma rede de interesses e conhecimentos, a partir da interação com as instituições de desenvolvimento rural.

É preciso desenvolver e intervir no espaço rural em paridade com os espaços urbanos e industriais, dinamizando o setor agrário por meio de canais de comercialização possibilitados pela intermediação do Estado. É necessário promover a biodiversidade no desenvolvimento rural e informatizar o campo para uma agricultura de precisão que racionalize o sistema de produção agrícola e o emprego de agroquímicos, reduzindo custos, minimizando impactos ambientais e melhorando a qualidade dos produtos. Evoluir para uma ruralidade moderna significa investir em uma educação rural que construa conhecimentos na direção do desenvolvimento social e econômico da população camponesa, defendendo aquela cultura, sem a visão determinista histórico-geográfica de que a escola urbana seja superior à escola rural. Assim, crescimento econômico-rural, redução das desigualdades sociais do campo e preservação do meio ambiente tem de ser o tripé do desenvolvimento da região agrária do Distrito Federal.

Outra necessidade é a da constituição de um consórcio interurbano que trate da Região Integrada de Desenvolvimento do Distrito Federal e Entorno, dada a interdependência existente entre o DF e sua circunvizinhança e as desigualdades sociais e econômicas entre a RIDE e a Capital Federal. Deve-se descentralizar a economia da Região e gerar polos de trabalho no Entorno, estabelecer a capacitação estratégica do ordenamento territorial, solucionando problemas comuns por meio de políticas e ações conjuntas.

É relevante a democracia participativa para as demandas de convívio que amenize a saturação de um processo econômico que já deixou de responder às reais necessidades dos diversos indivíduos e grupos que compõem a sociedade no DF. Um novo modelo organizacional e gerencial da coisa pública precisa advir em busca de patamares elevados de desempenho do GDF.

Faz-se mister elaborar um plano de metas como resultado de um compromisso histórico que planeje não para apenas o tempo de duração de um governo, mas de sucessivos governos alternantes, envolvendo, inclusive, partidos políticos que se contraponham no Distrito Federal. Um plano de metas viável, que formule a diversificação da economia da Cidade, que ponha fim ao gargalo em que ela se encontra, com metas e estratégias que avancem no tempo e tornem sustentável o futuro metropolitano.

Que se produza um plano de metas que aumente a capacidade do setor produtivo, descubra e valorize as vocações das diversas regiões administrativas do DF, tornando as cidades-satélites autossuficientes e versáteis, que olhe para o Entorno com muita atenção. Um plano de metas que considere a iniciativa privada como recepcionadora da mão de obra, que possibilite ao empresariado redução da burocracia, incentivos, especialização e segurança jurídica para investimentos em longo prazo.

Contudo não será possível cumprir um projeto de desenvolvimento da Capital da República com um plano de metas bastante abrangente e de aplicação de longo prazo, se não for viabilizada a incorporação de todos os principais partidos políticos desta unidade da Federação em conjunto com as orientações do Ministério Público. Isso envolve um compromisso das principais forças políticas da esquerda, do centro e da direita enfocadas no projeto de desenvolvimento econômico e social.

(E não será fácil conseguir esse compromisso histórico!)

 

Guará-DF, inverno de 2023

 

    SALIN SIDDARTHA

 

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