Vanderlei Testa
A amizade de 64 anos de José Manoel e Agenor Rodrigues é um imã. O aço magnetizado tem o poder de ser imantado. Atrai como imã a outra peça de metal. Seres humanos também são magnetizados por sentimentos e amizade. Há uma magia invisível na corrente de verdadeiros amigos.
Bem, o aço das coincidências começa nesta história em uma fábrica de carrocerias na cidade de Sorocaba. Um barracão na avenida São Paulo — número 449 –, com máquina de solda, madeiras, serras e ferramentas. O toque de arte ficava por conta do italiano Donaldo Fittipaldi e seu filho Rafael, donos da oficina. Sua rotina diária consistia em produzir carrocerias para caminhões e caminhonetes. Eles eram conhecidos no Estado de São Paulo pela qualidade.
O ano era 1957. A pequena indústria dos Fittipaldi era imã aos bons profissionais que buscavam emprego como ferreiros ou carpinteiros. O jovem José Manoel Ortega Braz gostaria de trabalhar como ferreiro em carrocerias. Ele nasceu em Araçoiaba da Serra, onde tinha muitos veículos na agricultura transportando as cargas das lavouras e plantações. Vindo de Araçoiaba ainda menor de idade, Manoel e seus pais, Miguel Ortega Cabrera e Felicíssima Braz Ortega, com os irmãos Nahir e Lourdes, foram morar na rua Estácio de Sá, 40, na Árvore Grande. José Manoel relembra que a casa era dos avós Manoel e Valentina. O adolescente José Manoel gostava de fazer amizades. Aqui começa uma história de amigos inseparáveis com muitas coincidências de vida. Cada leitor deve ter a sua lembrança dos amigos desde a infância e irá se lembrar com este artigo.
O ano de 1957 estava começando. José decidiu ir pedir emprego ao italiano Donato, já que a fábrica era perto da sua casa. No mesmo dia, outro jovem de nome Agenor Rodrigues, sem saber da existência do José Manoel, também foi em busca de uma vaga como auxiliar de carpintaria. Começam as coincidências. Resultado! Chegaram juntos no mesmo horário e foram entrevistados. Os dois foram contratados. Auxiliar de carpinteiro e ajudante de ferreiro. A foto maior que ilustra este artigo mostra os dois em cima de uma tora de madeira. Durante oito, anos José e Agenor aprenderam tudo sobre carrocerias. É como se diz, entraram de corpo e alma no manejo das madeiras e vergalhões de aço e se tornaram profissionais. José Manoel teve uma segunda experiência depois de conseguir a sua habilitação. Dirigia caminhões transportando lenha para a fábrica da Cia. Nacional de Estamparia. Viajava para o Estado do Paraná e à cidade de Presidente Wenceslau para buscar madeiras.
Agenor e José se tornaram grandes amigos. Sonhos diferentes de vida, mas objetivos de amizade comum em construir suas famílias. O tempo passou e eles, com as economias do salário, iam guardando para o futuro. Em uma das longas conversas entre os dois amigos, falaram em comprar dois terrenos na “Chácara Santa Tereza”, Vila Haro. Como todo sonho resulta em boas prosas de amigos, eles acabaram fechando negócio em 1960. Eram lotes vizinhos na mesma rua Jorge Caracante. Rua sem luz elétrica ou água encanada. Negócio fechado e prestações ajustadas à realidade de seus salários. A segunda coincidência do plano dos amigos. Agora, Agenor e José desejavam a construção de suas casas. Para isso, eles lembram que tinham que emprestar luz e água do seu Osvaldo e do seu Ireno, na rua Ramon Haro Martin, outra rua da vila. O tempo passou.
O ano 1960 foi marcante aos amigos com as casas prontas. A terceira coincidência. Chave na porta, a conquista do futuro lar de suas famílias aconteceu para a felicidade de ambos. E para seguir com as coincidências que vinham acontecendo em suas vidas, eles conheceram as suas namoradas na mesma época. As futuras esposas. A próxima trama do destino. Mesmo tempo de namoro e noivado. O casamento dos dois casais de amigos foi agendado. Os amigos que se conheceram no primeiro emprego tinham agora a união de almas com suas esposas. Em 1965 Mercedes e José Manoel casaram. Formaram família e tiveram três filhas, Aparecida, Débora e Mariana.
A Loide e o Agenor também deram o sim no altar em 1965. Tiveram cinco filhos, Edilson, Oswaldo, Daniel, Edilaine e Viviane. Suas coincidências de vida resultaram em continuar morando em casas vizinhas há 56 anos. Em 1991, Maria de Fátima e José Manoel constituíram nova família, tendo uma filha, a Sabrina.
É uma amizade de amigos-irmãos construída há 64 anos como uma corrente de aço sem trinca e solda, disse-me a Patrícia Gimenes Ortega. Ela é sobrinha do José Manoel. A corrente da amizade é sem emenda e nunca quebrou, destacou José Manoel quando falei com ele. A trajetória profissional do Agenor e do José seguiu na mesma estrada. Os dois foram trabalhar na Metalúrgica N. Sª Aparecida em 1966. José Manoel na produção de enxadas e o Agenor na Laminação de aços. A atração de melhores salários e benefícios e uma família com filhos para cuidar levou cada um às suas novas rotas profissionais. Agenor Rodrigues ficou até a sua aposentadoria na siderúrgica. Já Manoel, em 1972 saiu da produção das enxadas para montar um açougue como negócio em sociedade.
A sobrinha Patrícia conta que o tio Manoel é um ser humano maravilhoso. De uma riqueza de vocabulário de aprendizado da vida e que transmite com alegria contagiante. Criativo em músicas repentistas, ouvi o José Manoel cantar seus versos inspirados na pandemia. “A vacina tá chegando. Nós vamos comemorar. Já passei dos 80, estou na fila pra tomar…”. Conversei com o José Manoel e pude sentir como ele é alto astral, com suas oito décadas de vida.
Os amigos José Manoel e Agenor Rodrigues são compadres e os moradores mais antigos da rua Jorge Caracante. Pessoas do bem que testemunham com suas vidas o valor da dignidade humana e da amizade.
Vanderlei Testa é jornalista e publicitário. Escreve às terças-feiras no jornal Cruzeiro do Sul e aos sábados no www.blogvanderleitesta.com e www.facebook.com/artigosdovanderleitesta.
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