A CONTINUIDADE ESPACIAL ENTRE A CIDADE E O CAMPO NO DF
Salin Siddartha
O Distrito Federal mescla, nas cidades afastadas do Plano Piloto, situações tidas como urbanas e rurais no seu conjunto, produzindo um espaço multiforme. Dicotomicamente, o campo opõe-se à cidade, mas em uma abordagem que enfoque os dois espaços, o campo e a cidade formam uma continuidade espacial geográfica e geopolítica em que o campo se aproxima da realidade urbana.
A distinção e a delimitação entre a cidade e o campo tornaram-se uma tarefa complexa a partir da acentuação das articulações entre esses espaços, com maior integração socioeconômica dessas regiões. Devido à expansão desordenada e ao surgimento dos condomínios habitacionais, fica difícil a delimitação do urbano e do rural no Distrito Federal, haja vista as características quase sempre urbanas dos condomínios em localização rural. A diversificação dos serviços, impulsionada por uma infraestrutura de transportes e comunicação mais moderna do campo, reestruturou-o e intensificou os fluxos entre a zona urbana e a zona rural, possibilitando maior presença da técnica e da ciência no processo produtivo.
Nessa perspectiva, o reconhecimento do rural deve basear-se em sua relação com a cidade, ou seja, o urbano e o rural misturam-se; contemporaneamente, a identidade rural é apreendida a partir de uma série de “mistos” que incorporam “urbanidades” manifestas pelos elementos urbanos no campo, produtores de uma interação de territorialidades. A modernização da sociedade intensificou as relações estabelecidas entre eles – nesse sentido, o urbano e o rural são espacialidades complementares e mescladas. Desse modo, a continuidade entre o urbano e o rural delineia-se em um continuum entre os dois polos.
Segundo o IBGE, 151 mil pessoas constituem a população rural do Distrito Federal. A agropecuária tem um papel relevante na economia da região do Entorno do DF; as maiores áreas são ocupadas com cultura de grãos e pastagem artificial, ficando a fruticultura e a horticultura com áreas menores. Na pecuária, predomina a criação de bovinos, seguida por suínos e equinos, extensiva a toda região; a agricultura varia desde a de subsistência até a de grandes culturas de cereais, principalmente soja, milho e feijão como também grande produção de tomate. As grandes culturas comerciais são
beneficiadas por irrigação de pivô central, com a lavoura expandida em áreas anteriormente ocupadas pelo cerrado, em cujos solos são usados corretivos e fertilizantes para compensar as deficiências naturais.
Mas a dinâmica do rural vai além da agricultura, está no modo de pensar, agir e construir o espaço geográfico, em um processo complexo que permuta cidade e campo, revela o rural nas áreas urbanas e reproduz o urbano em meio ao campo. O espaço agrário do DF não pode ser imaginado com destinação exclusiva às atividades rurais, com função produtiva voltada para alimentos e matéria-prima, mas também por meio dos aspectos plurais da intensa relação cidade-campo.
A interseção urbana-rural é responsável pela diversidade de interesses e atores locais que podem fortalecer o controle social e criar caminhos de sustentabilidade agrária. Novas políticas e práticas no campo, participação comunitária e o conhecimento local é um desafio cultural e político na mediação de interesses diversos.
A silhueta do mercado de trabalho rural vem sofrendo mudança: um novo inter-relacionamento entre o espaço urbano e rural emergiu, permitindo um entrelaçamento de mercado de trabalho rural para atividades agrícolas e não-agrícolas. Além disso, o elevado número de cargos administrativos que vieram compor o meio rural e as mudanças nas relações sociais de produção a partir da modernização da agricultura sustentam a continuidade entre a cidade e o campo.
O meio rural aproxima-se da paridade social e econômica com o núcleo urbano vizinho, tanto na renda do trabalhador, quanto na mobilidade profissional, tanto nas chances de cultura, quanto na gestão dos negócios. Os espaços rurais e urbanos tendem a inter-relacionar-se, de tal maneira que, entre o urbano e a ruralidade, não há uma ruptura, e sim uma continuidade.
A modernização da sociedade nos espaços locais rurais fundamenta-se na crescente paridade social. Uma nova visão do rural propõe uma nova concepção das atividades produtivas e uma nova percepção do rural como patrimônio a ser usufruído e preservado.
A pluriatividade é uma alternativa para fixar a população na zona rural do DF. É através da pluriatividade que os membros das famílias de agricultores residentes no meio rural optam pelo exercício de diferentes atividades, inclusive não-agrícolas. A partir do momento em que um determinado integrante de uma família de produtores rurais vem a exercer uma atividade não-agrícola, mas tendo suas raízes no campo, passa a executar a função de ligação entre o meio rural e o meio urbano.
O meio rural é parte de um conjunto social no qual a cidade se insere. Mas não se pode deixar de atentar para o fato de que a relação cidade-campo é relação de poder cidade-campo.
Cruzeiro-DF, 15 de julho de 2019
SALIN SIDDARTHA